Com uma experiência de 40 anos na área de segurança contra incêndios, o Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) é atualmente o único do Brasil a atuar de maneira abrangente no setor. Avaliações de materiais e elementos construtivos, sistemas de detecção e alarme de incêndio, sistemas de extinção automática e manual estão entre as competências do Laboratório.
Com base nesse conhecimento e nos acontecimentos recentes, como o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro e na Catedral de Notre-Dame de Paris, o IPT lista algumas questões fundamentais sobre esse de tipo de ocorrência em construções históricas. As respostas foram fornecidas pelo pesquisador Carlos Roberto Metzker de Oliveira.
Quais fatores influenciam no risco de incêndio de construções como o Museu Nacional e a Catedral de Notre-Dame?
Por se tratarem de edificações antigas e históricas, possuíam grande quantidade de materiais que são combustíveis, os quais estavam disponíveis na época de sua concepção, principalmente os localizadas na estrutura das coberturas. No caso específico da Notre-Dame, o comportamento ao fogo destes materiais, que propiciou a propagação rápida das chamas para outros ambientes, e a exposição prolongada às chamas culminaram no colapso de parte da cobertura e da torre conhecida como ‘Flecha’. Também há de se considerar as condições precárias das instalações elétricas que, em edificações como esta, estão sujeitas a alterações com pouca preocupação em relação a novos dimensionamentos e substituição de materiais e dispositivos adequados. Reportagens indicam que a edificação já sofria com a falta de manutenção. Outro aspecto que está sendo investigado como possível causa é em relação a um acidente, que pode ter ocorrido em função de obras de restauração da edificação.
Os riscos, em todos os casos aqui citados, estão associados ao fato de nenhum dos edifícios contarem com proteção passiva contra incêndio, o que ocasionou condições propícias para o crescimento e a propagação das chamas. Os sistemas de proteção ativa também praticamente inexistiam e os que existiam não funcionaram adequadamente para conter o incêndio.
Como esses fatores podem ser identificados?
Os fatores que influenciam o risco de incêndio dessas construções devem ser identificados por vistorias e fiscalizações periódicas realizadas por profissionais capacitados e/ou órgãos competentes, como o Corpo de Bombeiros, a partir de leis, regulamentos e normas que tratam da adoção de medidas de segurança contra incêndio.
A Catedral de Notre-Dame e outras edificações, como o Museu Nacional do Rio de Janeiro, são estruturas tombadas pelo patrimônio histórico e a adoção de ações eficazes contra o fogo é especialmente dificultosa. Não é possível, em muitos casos, alterar a estrutura arquitetônica e os materiais utilizados na sua construção. Assim, por exemplo, a inclusão de materiais com comportamento ao fogo adequado ou a aplicação de produtos que melhorem esse comportamento e adoção de elementos de compartimentação são ações praticamente impossíveis de serem realizadas. Para as edificações tombadas será sempre difícil, sob os pontos de vista técnico e econômico, compor uma abordagem sistêmica convencional de segurança contra incêndio.
Adotar sistemas de combate de proteção ativa por meio de sistemas hidráulicos, como é o caso de hidrantes e chuveiros automáticos, também é uma solução, mas a argumentação contrária se dá em função dos possíveis danos provocados por vazamentos acidentais ou pela operação dos sistemas em situação de incêndio. Manutenções periódicas são ações para o perfeito funcionamento do sistema que não devem ser esquecidas ou mesmo negligenciadas pelos responsáveis.
Por que o incêndio da Notre-Dame levou tanto tempo para ser combatido? A estrutura da Igreja, que levava muita madeira, e andaimes e outros equipamentos que estavam sendo utilizados para sua restauração tiveram influência?
Como havia muito material combustível, principalmente na cobertura, com espaços muito abertos, o incêndio ganhou força rapidamente, envolvendo toda a edificação em questão de minutos. O fogo avançou rapidamente pelos ambientes da catedral pois encontrou condições propícias para isto. Características similares deste incêndio foram observadas no Museu da Língua Portuguesa, na cidade de São Paulo, em 2016.
Nos casos em que o incêndio se alastra pela cobertura há uma grande dificuldade do corpo de bombeiros em combater as chamas em função da limitação de seus equipamentos. Soma-se a isso a preocupação em lançar jatos d´água e danificar ainda mais a estrutura que já está deteriorada e com risco de colapso. Como a edificação passava por uma reforma de restauração, havia, além da estrutura de andaimes que propiciou mais um obstáculo para o combate, produtos diversos da reforma que contribuírem para a magnitude do incêndio.
As ações do Corpo de Bombeiros em incêndios dessas proporções são limitadas e, em algumas situações, insuficientes para controlar os danos aos bens culturais e científicos. Portanto, a adoção de medidas de segurança contra incêndio em edificações históricas deve ser feita de forma abrangente, resolvendo todos os aspectos técnicos e culturais envolvidos. Caso isto não seja feito de forma ampla, infelizmente novos casos surgirão no futuro.
No caso de construções antigas como a Notre-Dame e o Museu Nacional do Rio, por exemplo, devem ser tomados cuidados especiais? Quais?
Tais tipos de edificações guardam acervos históricos e uma situação de incêndio pode acarretar perdas irreparáveis e inestimáveis. A história, através de acervos, merece ser passado de geração a geração, mas, recentemente, os sinistros ocorridos no Brasil e mundo afora têm mostrado que a falta das medidas de proteção contra incêndio priva futuras gerações de obterem esse conhecimento.
Assim, um conjunto de medidas de segurança contra incêndio deve ser considerado nas edificações:
dificultar a ocorrência do princípio de incêndio;
dificultar a ocorrência da inflamação generalizada;
facilitar a extinção do incêndio;
dificultar a propagação do incêndio no edifício;
facilitar a fuga dos usuários do edifício;
dificultar a propagação do incêndio entre edifícios e facilitar as operações de combate e resgate.
Os objetivos da adoção dessas medidas são:
segurança dos ocupantes;
efetividade da intervenção da brigada;
proteção de bens históricos/culturais/científicos;
proteção da edificação, incluindo conteúdos e a estrutura;
controle da propagação do fogo na edificação
Quando há o início de um incêndio, quais providências devem ser tomadas?
O IPT e o Sindicato da Habitação (Secovi-SP) elaboraram, em 2004, um manual de incêndio com o objetivo principal de orientar os responsáveis pela segurança dos edifícios na realização das atividades de manutenção dos equipamentos e sistemas. O manual traz ações que envolvem inspeções visuais e podem ser realizadas pela própria equipe do edifício, e também atividades mais complexas, que requerem a contratação de empresas especializadas. Uma de suas partes indica ainda como agir em caso de incêndio para todo os tipos de ocupação, conforme reproduzido abaixo.
Em caso de ocorrência de um incêndio, tão logo ele seja identificado, deve-se manter a calma, alertar os ocupantes da edificação e, em seguida, telefonar para o Corpo de Bombeiros, através do número 193, fornecendo toda a informação solicitada de forma correta. Qualquer ocupante do edifício poderá desempenhar essas atividades.
Os brigadistas deverão atuar nessa situação de emergência desenvolvendo as seguintes atividades:
Análise da situação: O brigadista deve analisar a situação rapidamente e desencadear os procedimentos necessários, podendo realizar uma ou mais ações, de acordo com o número de brigadistas e os recursos disponíveis no local;
Primeiros socorros: Prestar primeiros socorros às possíveis vítimas, permanecendo junto a elas até a chegada do socorro especializado;
Abandono de área: Remover as pessoas que não podem se locomover sozinhas, para local seguro;
Confinamento do sinistro: Remover o máximo de materiais combustíveis do local para evitar que o incêndio se alastre;
Isolamento da área: Isolar a área do incêndio, impedindo o acesso de pessoas que não façam parte da brigada, de modo a garantir os trabalhos de emergência;
Corte de energia: Cortar, quando possível ou necessário, a energia elétrica dos equipamentos, da área ou geral;
Combate: Feita a avaliação e, sendo possível, proceder o combate ao incêndio com o uso dos extintores.
Nos casos em que algum ocupante da edificação estiver exposto a uma situação de risco e sem a orientação da brigada de incêndio, deve-se agir atendendo às orientações especificadas a seguir:
Em um ambiente tomado pela fumaça, usar um lenço molhado para cobrir o nariz e boca e sair rastejando, respirando junto ao piso;
Molhar bastante as roupas e manter-se vestido para se proteger. No caso de a pessoa estar com as roupas em chamas, obrigue-a a jogar-se no chão e envolva-a com um cobertor, cortina etc;
Dirijir-se à saída de emergência, permanecendo sempre junto às paredes;
Descer sempre, isto é, ao chegar à saída de emergência procurar descer até o andar térreo;
Nunca usar elevadores. Utilizar sempre as escadas;
Não dar chance ao fogo: após escapar, não retornar ao local.
Fonte: IPT
Foto: François Guillot/AFP