Imitadores

Dean Buonomano, em seu excelente livro “O cérebro imperfeito”, afirma que a imitação é um recurso inestimável do cérebro e que, se não fossemos exímios imitadores, a cultura moderna nem existiria.

Um relato de Frans de Waal, especialista em primatas, conta-nos sobre essa faculdade observada numa colônia de chimpanzés. Nela, o macho dominante machucou uma pata e passou a andar mancando. Não deu outra: os machos jovens começaram a imitá-lo. Ou seja, essa história de imitação vem de priscas eras e, com acertos e erros, foi fundamental para o desenvolvimento da humanidade.

O primeiro exemplo documentado de aprendizado cultural em primatas ocorreu na ilha japonesa de Koshima. Uma macaca esperta teve a ideia de lavar sua batata-doce antes de comê-la. Ao observá-la, outros macacos imitaram o procedimento e passaram a comer batatas limpas e levemente salgadas pela água do mar.

Todavia, nem sempre a imitação joga a favor dos seres humanos. Muitas vezes, sem critérios, tomamos decisões ruins por nos deixarmos ser manipulados por propagandas enganosas. Vide os cigarros e essa armadilha de empréstimo consignado.

Baseado no “efeito imitação”, a publicidade moderna anuncia produtos associando-os a celebridades que contam com muitos imitadores (vide o corte de cabelo do futebolista Neymar). Racionalmente, sabemos que o sucesso do jogador não tem nada a ver com as cuecas que ele anuncia. No fundo, a maioria das pessoas age como aqueles primatas jovens, “dando mancadas” para imitar os que supostamente estão em posição superior na escala social.

Outros fatos tristes ocorrem por causa de imitações: pessoas anoréxicas, mulheres entupidas e deformadas por excesso de silicones, pessoas cheias de piercings em locais insólitos, homens e mulheres com exageradas e esdrúxulas tatuagens. Como ficará essa gente na velhice?

Na verdade, é bem pertinente o título que Buonomano deu ao seu livro. Caímos nas armadilhas de rótulos bonitos e melodias cativantes que nos seduzem a comprar determinados produtos.

Outro dia, comprei uma caixa de adoçantes. Fiquei intrigado pela pouca quantidade do produto numa caixa relativamente grande. Recentemente, li que isso faz parte da malandragem marqueteira. Quem, então, já não desconfiou de que existem n tipos de pastas de dentes, todas recomendadas por dentistas? E os tipos de sabão em pó que nunca chegam a uma fórmula definitiva?

Outro fato interessante levantado por Buonomano diz respeito à arquitetura associativa do cérebro e ao indício da qualidade de um produto associado ao seu preço. A influência dessas associações foi estudada utilizando tipos de vinhos supostamente diferentes. Na realidade, um mesmo tipo de vinho, em diferentes garrafas, era rotulado com valores de $5, $ 35 e $45. As pessoas pesquisadas, em sua maioria, achavam melhores os vinhos mais caros. Esse “bug” cerebral é muito explorado por empresas que vendem “gato por lebre”.

Outra experiência interessante foi feita com placebos caracterizados como analgésicos aos preços de $0,10 e $2,50 por pílula. O grupo que consumiu pílulas mais caras aguentou voltagens mais altas (para produzir dor) do que as que tomaram a mesma pílula com preço inferior.

Enfim, temos muitos bugs em nossos cérebros de que usufruem os marqueteiros na venda de produtos de grifes que custam muito mais por conterem um simbolozinho que, supostamente, confere status aos seus portadores.

Sabedores dessa febre de consumo no mundo ocidental, os chineses contrataram estilistas italianos e produziram roupas de grife em galpões situados em Nápoles. Muitos desses produtos vieram para lojas famosas em nosso país para serem adquiridas por idiotas endinheirados.

No que se refere à política, torna-se assustador o que os propagandistas podem fazer para vender seus candidatos. Utilizam todos os “bugs cerebrais” de que são portadores os brasileiros em termos de eleições.

Neste ano, deveremos estar atentos às propagandas de muitos pilantras que se candidatam apenas para acertar a sua vida (a dele) e a de seus apaniguados. É bom lembrarmos que, neste país da impunidade, não temos nenhum político preso por delitos cometidos. Alguns, cinicamente, alegam que tiveram suas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas, como se isso representasse atestado de honestidade. Chegamos ao surrealismo de uma deputada federal ter sido perdoada de suas falcatruas apenas porque fora eleita. Um verdadeiro escárnio para com o povo brasileiro.

Enquanto não se fizer uma reforma política pra valer, será interessante analisar detalhadamente o passado de cada candidato, sob pena de continuarmos nesse círculo vicioso repugnante, malandramente mantido por picaretas que não têm espírito público algum.

Deixemos, pois, de votar por mera imitação.

Adalberto Nascimento
(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.

Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras, colaborava semanalmente com este site nos espaços Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal

[Artigo publicado originalmente pelo Jornal Cruzeiro do Sul em 15 de janeiro de 2012]

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