Live do Confea discute prejuízos dos vetos à nova Lei de Licitações

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Live do Confea discute prejuízos dos vetos à nova Lei de Licitações

Sancionada com 26 vetos parciais, em 1º de abril último, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21), que altera as regras de contratação por órgãos da administração pública, continua sendo objeto de debate entre as lideranças do setor da engenharia e da construção. A deliberação do veto começa pelo Senado por maioria absoluta de 41 senadores para derrubar o veto, indo em seguida para a Câmara dos Deputados onde precisará também de maioria absoluta de 257 votos. A lei também demandará cerca de 52 regulamentações, cujas tratativas já vêm sendo conduzidas pela secretaria de Gestão do ministério da Economia.

Nessa sexta-feira (7/5), o vice-presidente do Confea, eng. civ. João Carlos Pimenta; o vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), eng. civ. José Eugênio Gizzi, representando o Conselho Temático de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI); o presidente da Associação para o Desenvolvimento da Infraestrutura do Estado de São Paulo (Apeop), eng. civ. Carlos Eduardo Lima Jorge; o consultor do Senado Federal Rafael Câmara e o assessor legislativo do gabinete do senador Flávio Arns (Podemos-PR), Diogo Novaes, participaram de uma live para discutir os três principais vetos ao projeto de lei.

Conduzido pelo assessor político do senador, Flávio Vicente, o debate abordou os vetos ao artigo  que obriga o órgão contratante a depositar em conta específica os valores de cada etapa da obra, antes da sua respectiva execução com fins de impedir a paralisação de obras por falta de recursos (artigo 142, parágrafo único); ao artigo (37 §2º) que regulamenta a aplicação do critério de melhor técnica nos projetos, entendidos como serviços especializados de natureza intelectual de alto valor, e ao artigo 115 (§4º) que determina que a administração pública providencie o licenciamento ambiental previamente ao edital da obra. Especialistas da área criticaram os vetos.

Dificuldades 
Em seu segundo debate sobre o tema em uma semana, o vice-presidente do Confea, eng. civ. João Carlos Pimenta, diretor do Sinduscon-DF, detalhou, quanto ao veto ao parágrafo 2º do artigo 37, referente ao Projeto Básico, que ele se refere às alíneas a, d e h dadas pelo inciso 18 do artigo 6º da nova lei. “A alínea a se refere a estudos técnicos, planejamento, projetos básicos e projetos executivos; a d é fiscalização, supervisão e gerenciamento de obras e serviços; e a h trata de controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia. Apenas esse último não estava na 8.666, e foi muito bem colocado”, descreveu Pimenta, considerando esses trabalhos como intelectuais com valores acima de R$ 300 mil e que estavam sendo contemplados para serem tratados pela modalidade de técnica e preço.

 

Com um valor estimado em cerca de 5% do montante dos investimentos da obra, o projeto incidiria sobre obras a partir de aproximadamente R$ 6 milhões. “Se nós pegarmos o relatório do TCU que pegou 14 mil obras com 144 milhões, vamos ter uma média de 10 milhões em cada uma dessas obras paralisadas, um percentual bem significativo. Então, a gente sabe porque está acontecendo isso, os critérios, a maneira de se contratar os projetos”.

Pimenta descreveu em seguir sua experiência à frente do Sinduscon-DF, quando constatou as dificuldades enfrentadas pelas empresas de construção. “Além de terem participado de processos licitatórios predatórios, havia 14 empresas maltratadas pelo poder público. Chegamos ao extremo de ter empresas atendendo ao termo de referência do edital, entregar e por um capricho do governante ter sete retrabalhos em cima daquilo que foi feito e não se querer pagar um centavo de aditivo, alegando que o tribunal iria pegar. Então, esse dispositivo atenderia muito bem a essa ideia de se ter bons projetos”, diz, citando o acórdão 1079 do TCU, que considera que 47% das obras são paralisadas por motivos de ordem técnica. “Começou errado, com especificação malfeita, um projeto malfeito, orçamento pior, a tendência é realmente dar confusão e não fazer a obra”, diz, comentando que a justificação para o veto não convence as empresas da área construtiva.

Quanto à conta vinculada, Pimenta considera que o governo a encara como “uma antecipação de pagamento”. O vice-presidente do Confea argumenta que não é disso que o procedimento trata efetivamente. “Nós estamos querendo apenas o dinheiro garantido, para quando cumprir a etapa ter o dinheiro para receber em dia”.

Já em relação ao licenciamento ambiental, Pimenta lembra que ele estaria previsto também nos artigos 5º e 6º da Lei. “Inclui o próprio Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), ou seja, todos os órgãos federais, estaduais e distritais de meio ambiente. Então, pelo menos na contratação integrada, ele vai contar com esse suporte institucional para conseguir a licença. E realmente não justifica ficar por conta do administrador ele deixar pra depois que contratar ou apresentar o edital, o atraso da licença, que pode dar uma série de ruídos, indesejáveis por todos”.

Interesse público
Presidente da Associação para o Progresso de Empresas de Obras de Infraestrutura Social e Logística (Apeop), o engenheiro civil Carlos Eduardo Lima Jorge argumenta que, com os debates, foi construído um projeto de lei aprovado com pouquíssimas modificações no Senado. Ao final do evento, ele destacou que o setor está buscando conversar com os parlamentares, apelando que “é como brasileiros e cidadãos que a gente está querendo derrubar esses vetos”.

“Nós que vivenciamos uma intensa mobilização na Câmara dos Deputados, procuramos minimizar o fenômeno das obras paralisadas. Tomamos como base um levantamento do Tribunal de Contas da União, com 14 mil obras, pela má qualidade do projeto, atraso de pagamento da União e demora para o início em decorrência de licenciamento ambiental. Todos dedicamos horas para estudar dispositivos para relativizar os três tipos de problemas”, afirmou.

Lima Jorge pondera que os vetos a esses três ângulos de abordagem alegaram a defesa do interesse público. “No meu ponto de vista, garantir a continuidade da obra, um bom projeto e garantir que os recursos existam, isso não vai contra o interesse público”. Ele já havia manifestado esse posicionamento no seguinte artigo, divulgado no dia à seguinte à publicação da lei.

Ao analisar o primeiro veto em questão, o “recorrente atraso de pagamentos”, o presidente da Apeop descreve que o administrador, ao emitir uma ordem de serviço, deveria ter esse recurso previamente destinado em conta vinculada. “Colocamos que seria para cada etapa, e não da obra como um todo. Os recursos ficariam ‘empossados’, se fossem colocados em conta vinculada o valor do contrato como um todo. Então, cada trecho de uma rodovia teria o recurso correspondente”.

Quanto ao veto ao critério de melhor técnica em serviços especializados de natureza intelectual de alto valor, Lima Jorge observa que, a despeito da qualidade de projetos, “assistimos à cultura de que contratar bem é contratar mais barato. A gente viu o resultado disso”. Segundo ele, contratos com até 60 por cento abaixo do valor estimado pela administração causavam prejuízos posteriores à administração.

“Já é uma atividade mal remunerada, quanto mais com esses descontos. Uma das formas de evitar isso foi colocar a obrigatoriedade da contratação pelas modalidades por técnica ou por técnica e preço, tendo o cuidado de prevalecer o suporte técnico, ponderando 70% para a técnica e 30% para preço. O veto diz que se deveria ter a opção de melhor técnica, técnica e preço ou melhor preço. Mas se houver essa possibilidade legal do menor preço, eliminada no projeto, será essa a opção do administrador contratar por receio do órgão de controle por ter contratado o melhor projeto, e não o mais barato”, lamentou.

Sobre o terceiro dispositivo vetado, relativo ao licenciamento ambiental, Carlos Eduardo Lima Jorge ressaltou que agora ficou permitido o licenciamento ou pela administração pública ou pelo particular, “o que é condenado pelo TCU”. Pela administração, argumenta, essa necessidade não incide apenas no prazo. “É que o licenciamento determina às vezes mudanças no projeto. Via de regra é assim. É uma questão prática que estava se colocando ali, além de ganhar tempo na licitação”.

A responsabilidade da administração pública
Segundo o consultor do Senado Rafael Câmara, em 2015, o Senado identificou as principais razões da paralisação de obras, ao que o estudo do TCU deu uma importante contribuição. “A partir daquele momento, o Congresso se debruçou sobre vários projetos de lei para tratar a paralisação de obras”. Após a divulgação de uma reportagem em rede nacional de televisão, comparando os modelos brasileiro e norte-americano, houve uma evidenciação do chamado seguro Performance Bond, que cobriria todos os riscos de inadimplência em quaisquer tipos de contratos, inclusive públicos. “Nós nos manifestamos contrariamente porque isso não atacava as principais causas de paralisação, e teria o efeito simplesmente de aumentar os preços. Partia-se da premissa de que a culpa era das construtoras, quando um dos maiores responsáveis é a administração pública”.

Um dos instrumentos pensados à época foi o da conta vinculada. “Ela pode reduzir a quantidade de obras paralisadas porque não aumenta custos e protege a administração pública e a empresa contratada”. Rafael Câmara descreve que o dispositivo é adotado desde 2008 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Desde 2009 é uma obrigatoriedade no Poder Judiciário, embora tenha sido substituída por outra técnica recentemente. Mas continua como uma técnica possível. Também em 2009, o ministério do Planejamento também permitiu a adoção da conta vinculada, sendo obrigatória em toda administração federal no ano seguinte. E desde 2011, está prevista em lei no Distrito Federal, tendo pouquíssima contestação no país”.

O consultor do Senado considera que os argumentos contrários são muito frágeis. “Os tribunais de contas adotam, os riscos de inconstitucionalidade são baixíssimos. Acredito que o veto quis ser mais realista do que o Rei. Se o risco é baixo não haveria nenhum problema de esperar uma posição do Supremo Tribunal Federal”, pondera, ressaltando que o dispositivo está previsto não só no artigo vetado, mas também nos artigos 121 e 142.

Segundo ele, esses artigos que não foram vetados previam apenas a possibilidade da adoção da ferramenta. “A nova lei autoriza a adoção da conta vinculada em diversos tipos de contrato. E havia a obrigatoriedade para as obras públicas. O veto incidiu apenas sobre a obrigatoriedade, mantendo a possibilidade nos outros dois artigos.  Penso que essa obrigatoriedade deveria ser mantida porque a conta vinculada é um instrumento de gestão contra gestores desorganizados. É um instrumento barato e eficaz que protege contra a desorganização. E todos os argumentos estão previstos na definição de conta vinculada utilizada ao longo da lei, portanto, para manter a coerência, deveria se manter todas as previsões de conta vinculada na nova lei”.

Para Câmara, não há a figura do empoçamento de orçamento, porque há um destaque temporário do orçamento, por parcelas, a serem liberadas, em poucos dias. “A desvantagem de se prender o orçamento por tão pouco tempo é tão inferior à vantagem, que não faz sentido afastar. Temos um problema seríssimo de obras paradas, e não podemos abandonar esse instrumento porque não queremos deixar o orçamento preso por 30 dias. A desvantagem é muito discreta. Parece-me uma desproporção absurda, frente às vantagens da conta vinculada”, questiona.

O empoçamento é um dos três argumentos usados para vetar o dispositivo, ao lado da unidade de tesouraria e de uma orientação mais vaga que afirma ser “melhor não ter” simplesmente. Citando a Lei das Finanças Públicas, Lei nº 4.320/1964, o consultor ressalta que a unidade de tesouraria é outro argumento que não se sustenta. “Unidade de tesouraria é regra de receita orçamentária. A receita não pode entrar por duas, três contas. Tem que entrar por uma única conta. Conta vinculada é critério para pagamento. O dinheiro vai sair de uma conta única, não entrando de várias contas. Portanto, está preservado o princípio da unidade de tesouraria, tanto que o princípio está previsto na Lei 4.320 no título ‘Da Receita’. Não há impedimento nenhum que a administração pública pague utilizando-se da conta vinculada. Até mesmo porque, se o TCU, que é responsável por fiscalizar a 4.320, nunca entendeu que havia ofensa ao princípio da tesouraria, não há por que vetar”, ressalta, apontando ainda que a Advocacia Geral da União (AGU) tem um manual disciplinando como se aplica a conta vinculada.

Garantias e exemplos
Vice-presidente da CBIC e integrante do Conselho Temático de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Eugênio Gizzi considerou que a imprevisibilidade de pagamento, além de proporcionar problemas para as empresas que estão gerindo o contrato também “leva ao afastamento de boas empresas que deixaram de trabalhar com o setor público. Perde a administração com isso”.
Ao cumprimentar a participação do consultor Rafael Câmara, Gizzi comentou que não sabia que existia essa possiblidade de vinculação à Lei nº 4320/64. “Tínhamos ela como regra para que você tivesse o orçamento garantido, tivesse a nota de empenho. Já era uma segurança, uma grande garantia. Mas eu considero que esse artigo da nova lei vá atrair mais empresas porque com essa garantia de recebimento vai diminuir o custo de transação, e a empresa sabe que vai acontecer naturalmente como tem que ser. O contrato é feito para isso, para ser cumprido”, disse, ressaltando a importância da derrubada do veto.

Já em relação ao veto para o critério técnico de contratação de projetos de engenharia, Gizzi apresentou uma visão comum aos diversos membros da CBIC sobre a contratação de projetos. “Não temos nenhum interesse diretamente no projeto, porém ele nos atrapalha muito. Houve um aviltamento na contratação de projetos. Ele passou a ser somente um papel para que a licitação fosse adiante. Deu no que deu. Essa é a grande origem dos problemas que você tem nessas obras, como bem disse o Carlos Eduardo, por falta de qualidade de projeto. É um mal muito grande e com grandes reflexos”, explanou, citando exemplos de maus projetos vivenciados por ele.

O primeiro se refere à inauguração de uma obra com fluxo de veículos muito grande. “O prefeito passou vergonha porque o projeto não atendia ao objetivo ao qual tinha sido destinado. A entidade responsável pelo projeto comentou comigo 48 horas depois que o projeto foi contratado por menor preço. Ele disse que não conseguiria justificar se fizesse de outra forma”. Outra situação foi a de um projeto inexequível e que causaria muitos danos. “O projeto foi feito por menor preço. E menor preço não é melhor preço sempre. Projeto representa muito pouca coisa, diante do investimento. Os prejuízos são muito maiores para a administração.  Não tenho interesse no negócio projeto, mas ele tem um reflexo enorme no país, principalmente para administração. Esse artigo foi uma conquista muito grande e esse veto merece ser derrubado”.

Em outro experiência vivenciada por ele, em uma rodovia com grande tráfego, Gizzi teve que reequilibrar o contrato, em decorrência de um desvio diante de uma corticeira. “Isso demandou mais custos para a administração. E custa mais ainda para o usuário não poder utilizar aquilo. Daí a importância da licença ambiental prévia ao lançamento do edital”. Outro exemplo citado pelo representante da CNI é a ligação da rodovia Régis Bittencourt, na serra do Cafezal, que ficou décadas sem ser resolvida, em decorrência de questão ambiental. “Esse artigo do licenciamento ambiental foi outro grande avanço da nova lei de licitações que também merece ter o veto derrubado”.

Veto inválido
Em comentário à fala de Carlos Eduardo Lima Jorge, o assessor legislativo do senador Flávio Arns, Diogo Novaes, considera que a justificativa de contrariedade do interesse público “é automática, ctrl c, crtl v. Sempre colocam na justificativa do veto”.

Já em relação ao veto de licenciamento ambiental, além desse chavão”, Diogo identifica que há uma “incoerência técnica” na justificativa ao dizer que o “dispositivo restringe o uso de contratação integrada, tendo em vista que o projeto é condição para obter a licença prévia em uma fase em que o mesmo ainda será elaborado pela futura contratada”.

Diogo lembra que a contratação integrada ficou famosa na Copa do Mundo e nas Olimpíadas, quando o poder público abriu a possibilidade de ser licitada não só a contratação de obras complexas, mas também seu projeto. “É o Regime Diferenciado de Contratações. Você licita o projeto básico, o projeto executivo e a obra num processo só, a ser executado por uma única empresa ou conglomerado, enquanto na contratação semi-integrada, a administração realiza o projeto básico, mas licita o projeto executivo e a execução da obra”.

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O assessor legislativo do senador Flávio Arns esclarece que o veto justifica que está vetando porque, na contratação integrada, o projeto não é da administração. “O veto considera que o projeto é uma condição para obter o licenciamento e não seria possível providenciar a licença ambiental, se no RDC o projeto ainda nem foi elaborado”, descreve.  Segundo Diogo, a justificativa não atenta para o que descreve o parágrafo 5º em seu artigo 25 que diz que o edital poderá prever a responsabilidade do contratado pela obtenção do licenciamento ambiental.

“Se for responsabilidade da contratada, está previsto isso. Ela pode ter a incumbência de obter também o licenciamento. O veto diz que no regime de contratação integrada você não pode pedir o projeto antes porque não foi feito. Mas pode sim porque você exige que a contratada se responsabilize pelo licenciamento ambiental. Na justificativa, parece que só a administração é responsável por providenciar o licenciamento ambiental. Mas esse outro dispositivo diz que você pode licitar uma obra e falar que depois da elaboração do projeto pela empresa ela vai correr atrás do licenciamento ambiental. Acho que foi um erro porque no substitutivo da Câmara tinha um dispositivo falando que, em caso de contratação integrada ou semi-integrada, não se aplica o dispositivo anterior, esse que foi vetado. Só que eles preferiram outra técnica legislativa, preferiam tirar esse dispositivo que não se aplica e colocar no artigo 25 a possibilidade de que a própria contratada corra atrás do licenciamento, então ficou muito longe um dispositivo do outro. Para mim é uma justificação inválida, o que justificaria por si só a derrubada do veto”, ressalta.

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