Coluna do Dal

Tudo à deriva

No século XVI, o cartógrafo holandês Abraham Ortelius (1527-1598) descobriu que as formas dos continentes indicavam que a América do Sul e a África se encaixavam. Isso poderia significar que os continentes já haviam estado grudados e, por algum motivo desconhecido, teriam se separado e saído sem destino, “à deriva”, pelos oceanos. Daí a ideia ser carimbada como “a deriva dos continentes” pelo alemão Alfred Weguener (1880-1930).

Weguener deu solidez a essa ideia através de um livro (“A origem dos continentes e oceanos”), que escreveu durante seu período de recuperação, após ter sido ferido numa batalha da Primeira Guerra Mundial. Para ele, num passado remoto todos os continentes teriam estado unidos numa grande massa de território que ele denominou de “Pangeia”. Há uns 200 milhões de anos a grande massa rachou em partes que passaram a flutuar “à deriva” sobre um substrato mais denso.

O interessante é que o autor contou que a mola propulsora para que ele escrevesse o livro foi o fato de ter lido, no outono de 1910, um artigo que comentava sobre evidências de semelhanças paleontológicas entre o Brasil e a África.

Depois da publicação da obra de Weguener, caíram de pau nele. A maioria dos cientistas achava aquela ideia absurda, uma coisa sem sentido, saída da cabeça de quem não era do ramo da geociência – um impostor, uma vez que Weguener era astrônomo e meteorologista. Além disso, naquela época a ideia do catastrofismo estava em baixa. O pessoal andava valorizando o uniformitarismo¸ que defendia a ideia de que as mudanças geológicas processam-se de forma lenta e gradual, sem descontinuidades súbitas nem catástrofes como sugeria a tese de Weguener.

O difícil era explicar de onde veio a energia que fracionou a Pangeia e produziu o movimento dos continentes. Weguener tentou explicar que ela decorria da rotação da Terra e das forças gravitacionais do Sol e da Lua. Não convenceu. E realmente estava errado. Os geólogos da época explicavam que as evidências de que os continentes americano e africano tinham semelhanças paleontológicas decorriam da existência de antigas massas continentais, uma espécie de ponte que unia os continentes, mas que depois afundaram ou foram cobertas pela água. Isso era corroborado pela “ponte” ainda existente entre as Américas do Norte e a do Sul. Outro absurdo.

Depois de tantas críticas, Weguener resolveu dedicar-se ao trabalho como professor de Meteorologia e Geofísica na Universidade de Graz, na Áustria. Consta que foi um excelente professor. Também era uma pessoa obstinada. Defendeu tenazmente sua ideia e cultivou sua resistência física para explorar o norte da Groelândia; foi lá que, aos 50 anos, morreu devido ao desmoronamento de uma geleira. Quando isso ocorreu, sua teoria estava numa espécie de limbo científico, mas o seu legado continua vivo, sobretudo pela ousadia de uma ideia pela qual teve de brigar contra todos.

Sucede que, com a evolução tecnológica, outros pesquisadores foram descobrindo mais e mais sobre a Terra, o que culminou na teoria das placas tectônicas (do grego “tektos”, “construção”, significando qualquer processo geológico em que se tem movimentação ou deslocamento de massas rochosas, construindo ou reorganizando a estrutura terrestre devido a tensões). Essas placas incluem a crosta da Terra e uma porção do que é chamado de manto superior.

As placas flutuam sobre uma camada plástica inferior chamada estenosfera. Elas se movimentam em decorrência de grandes pressões produzidas pelo magma, que é uma massa mineral pastosa em estado de fusão, situada a grande profundidade da superfície terrestre. Seus movimentos determinam os fenômenos vulcânicos e, ao resfriar-se, ele cristaliza-se, dando origem às rochas ígneas. Os continentes, ou parte deles, pegam carona nas placas tectônicas. A Índia, por exemplo, tem avançado para o norte, de encontro ao resto do continente asiático, a uma taxa de 5 centímetros por ano.

O que temos, portanto, é a deriva das placas tectônicas que, quando se chocam, causam muito estrago: terremotos e tsunamis. É um baita problema para países situados sobre ou próximos a placas adjacentes. É o caso do Japão. O fato de os japoneses sofrerem essas adversidades talvez explique a cultura mitológica nipônica, cheia de monstros e seres sobrenaturais, o que fica evidenciado em filmes e revistas em quadrinhos desse país.

No nosso caso, não há motivo para preocupação. O Brasil está no meio da placa sul-americana e longe de fronteiras de placas adjacentes. Já bastam as enchentes e deslizamentos.

Todavia, os nossos maiores estragos são de outra ordem, devido aos terremotos de corrupção e impunidade, geralmente tendo Brasília como epicentro.

Aqui, em termos morais, estamos totalmente à deriva.

 

 

Adalberto Nascimento

Ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96), é engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.

Associado n.º 1 da AEASMS e servidor municipal aposentado, é escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço

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