Vincent Willem Van Gogh nasceu na Holanda no dia 30 de março de 1853, exatamente um ano depois de sua morte. Ressurreição? Nada disso. É que seus pais tiveram a macabra ideia de dar-lhe o nome idêntico ao do irmão natimorto no mesmo dia e mês do ano anterior.
Quando criança, toda vez que ia ao cemitério, Van Gogh, vivo, via o seu nome escrito numa lápide. Isso e o distanciamento dos pais em relação a ele constituíram, talvez, fatores agravantes para quem já tinha predisposição genética à loucura.
Foi no terceiro de uma série de doze livros sobre “Os impressionistas” que, pela primeira vez, li sobre Van Gogh. Adquiri esses livros ao longo de 1974 e, desde aquela época, tenho lido sobre a vida de alguns daqueles pintores. Mais detalhadamente sobre Lautrec, Gauguin e Van Gogh – o cara que cortou a própria orelha e ainda fez um autorretrato depois disso.
Há pouco tempo li mais dois livros, lançados recentemente e que falam de Van Gogh. Num deles, o escritor Joe Schwarcz faz comentários curiosos sobre assuntos ligados à química. Um desses comentários refere-se ao pintor.
O título do livro, na versão brasileira, é quase um “samba do químico doido”: “Barbies, bambolês e bolas de bilhar”. O outro é uma biografia de Van Gogh: “As mulheres de Van Gogh – seus amores e sua loucura”, de Derek Fell.
É impossível resumir uma vida tão turbulenta e dolorosamente criativa neste curto espaço. Por isso, apenas sintetizaremos algumas passagens intrigantes dos livros mencionados.
Joe Schwarcz, em seu comentário sobre Van Gogh, levanta questões interessantes. Uma delas é o uso intensivo de digitalina por parte do pintor. Essa droga era usada por quem sofria de epilepsia e, por associação dessa doença com os ataques psicóticos de Van Gogh, foi-lhe indicada.
A digitalina, quando utilizada em excesso, causa distúrbios visuais, dentre os quais uma espécie de aparição de halos amarelos em volta dos objetos. Nessa época, Van Gogh, digamos, “amarelou”, fato significativamente ilustrado por “Os girassóis”.
Sobre a automutilação de Van Gogh, Schwarcz apresenta a suposição de que Van Gogh teria se tornado portador de uma anomalia no ouvido médio, chamada doença de Ménière.
Essa doença, provocando alucinações auditivas, ou ruídos nos ouvidos (“tinnitus”), é tão incômoda que muitos de seus portadores falam sobre “cortar fora a orelha”. Em cartas de Van Gogh ao seu querido irmão Theo, ele relata seu transtorno auditivo, descrevendo sintomas semelhantes ao daquela síndrome.
Por falar em audição, abriremos um parêntese. Meu avô paterno era para minha avó “um surdo que só ouvia o que lhe interessava”. Eu e os demais netos achávamos essa história muito engraçada, sem conjecturarmos sobre o assunto, até porque éramos bem jovens, mesmo quando o vô Paulo morreu.
Hoje, o meu ouvido esquerdo está preguiçoso e ando ouvindo, quando ouço, frases semelhantes àquela pronunciada por minha avó. Todavia, no que diz respeito aos aspectos gerais, acho que, hoje em dia, ficar surdo tornou-se uma espécie de defesa às tantas bobagens ditas ou cantadas. Melhor o silêncio.
Fechando o parêntese. Schwarz também conta que Van Gogh era um consumidor contumaz de absinto, uma bebida cujo ingrediente ativo é a tujona, um composto devastador. Numa ocasião, ele e Gauguin encheram a cara de absinto, discutiram e brigaram.
Depois, cheio de culpa, Van Gogh decepou a orelha direita (ele era canhoto). Hoje andam dizendo que foi Gauguin que meteu a navalha na orelha de Van Gogh…
Já o autor Derek Fell, no tocante ao suicídio de Van Gogh, levanta a hipótese de que ele ou foi assassinado pelo seu médico (Dr. Gachet), ou por este foi induzido a praticar o suicídio. Isso porque o grande pintor, além de usar a jovem filha do médico como modelo para seus quadros, a estaria paquerando, e seu pai não admitia uma relação mais íntima de Marguerite com um doidão.
Van Gogh, então, com uma pistola, suicidou-se com um tiro pouco acima do estômago. Uma coisa muito esquisita. Por que não um tiro na cabeça?
No que se refere à doença de Van Gogh, Derek Fell argumenta, baseando-se em conceitos médicos atuais, que o pintor sofria de transtorno bipolar ou psicose maníaco-depressiva. A conexão dessa doença com outros gênios impressionistas (Pissarro, Renoir e Cézanne) também já está bastante documentada. Coisa estranha…
Mas estranha mesmo foi a exumação do corpo de Van Gogh, em 1913. Depois de 23 anos de sua morte, parentes resolveram enterrá-lo junto ao irmão Theo. Depois de aberta a cova, verificou-se que o caixão estava todo entrelaçado por raízes de uma árvore plantada pelo Dr. Gachet no túmulo do pintor. Era uma árvore de absinto.
O tormento foi implacável, mesmo depois da morte, para quem, durante a vida, viveu atormentado como substituto de um morto.
Adalberto Nascimento
Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), é pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.
É escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço