A doença do dói-dói

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A doença do dói-dói

Quando ocorreu o incêndio e o desabamento das Torres Gêmeas do World Trade Center de Nova Iorque, decorrentes do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, uma das grandes preocupações das autoridades sanitárias dos Estados Unidos foi o cádmio.

O cádmio (foto) — do latim “cadmia e do grego “kadmeia”, significam “calamina”, o nome que recebia antigamente o carbonato de zinco — foi descoberto na Alemanha em 1817 por Friedrich Strohmeyer (1776-1835). É um metal pesado extremamente tóxico e altamente prejudicial ao organismo humano. A despeito disso, é utilizado na produção de pigmentos, pilhas elétricas e plásticos que, certamente, existiam nos milhares de equipamentos daquelas torres.

Os efeitos deletérios do cádmio foram descobertos no Japão. A guerra com a Rússia (1904-1905) e a Primeira Guerra Mundial aumentaram substancialmente a demanda por metais naquele país, incluindo o zinco. Este era obtido nas minas de Kamioka, onde era encontrado misturado com cádmio. Da purificação do zinco resultava cádmio como resíduo, cujas borras eram simplesmente deixadas no solo ou despejadas em riachos.

Naquela época, infelizmente, tornou-se chique o uso de canecas de luxo submetidas a banhos de cádmio por causa do efeito brilhante decorrente, além da beleza da cor – o branco azulado desse metal. Sucede que uma bebida cítrica (limonada, por exemplo) removia o cádmio das paredes das canecas. As pessoas que bebiam dessas canecas adoeciam de forma tão grave que esses recipientes deixaram de ser produzidos.

Desde 1912, os habitantes de Kamioka tornaram-se vítimas de terríveis doenças por causa do consumo de água e arroz contaminados por cádmio. Dores nas juntas, nos ossos e falência dos rins eram os principais sintomas. Os ossos amoleciam de tal maneira que quebravam facilmente, provocando dores alucinantes aos portadores, que gritavam: “itai-itai” (dói-dói). Conta-se que um médico quebrou o pulso de uma jovem durante uma simples verificação de batimentos cardíacos. A agonia daquela gente perdurou até um bom tempo depois do fim da Segunda Guerra Mundial.

Somente em 1946 um médico local, Noboru Hagino, começou a estudar a “doença do  dói-dói”. Ele, com a ajuda de um professor de saúde pública, confeccionou um mapa epidiemológico indicando os locais do “itai-itai”. Depois de muitos estudos, ficou constatado que o cádmio interfere no zinco do corpo humano, substituindo-o e, muitas vezes, expulsando o enxofre e o cálcio do organismo, causando os males descritos.

A fragilidade óssea dos infelizes japoneses da região de Kamioka fez com que eles sofressem, de forma lenta e dolorosa, muito mais do que outras regiões em guerra – algo só comparável com a destruição de Hiroshima e Nagasaki, alvos das bombas atômicas americanas. Em 1961, Hagino denunciou os malefícios causados pelo cádmio.

A Mitsui Mineração e Fundição, então proprietária das minas de Kamioka, fez intensa campanha para desacreditá-lo. Todavia, um comitê médico local, sem a participação de Hagino por pressão da Mitsui, concluiu que era realmente o cádmio o causador de todos aqueles males. Ou seja, era uma comissão decente. Não dessas muitas que são instaladas em nosso país e que não servem pra nada. Servem, sim, pra protelar o assunto até ele sair de foco ou, via de regra, para absolver notórios contraventores.

Depois dessa história, resumida do livro “A colher que desaparece”, de Sam Kean, fico pensando nas pilhas, baterias, celulares, computadores etc – enfim, na parafernália de equipamentos eletrônicos que fazem uso desse metal mortífero ou de outros de que nem sabemos quais sequelas poderão produzir. Individualmente cada aparelho pode ser até inofensivo, mas, descartados aos milhões, sabe-se lá como e onde, que coisas horríveis ainda não poderão causar?

A começar pelos brinquedos infantis, hoje cheios de muita tecnologia eletrônica de cujos possíveis efeitos futuros pouco sabemos. Vejo, com certa apreensão, meu netinho manipulando controles remotos de brinquedos “made in China”. Será que a atual avidez pelo lucro não está produzindo de forma silenciosamente maligna um baita dói-dói futuro para a humanidade?

Adalberto Nascimento

(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.
Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

 

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