A Ferrari e os bodes

Em todos os domingos temos aqueles abomináveis programas de auditório em muitos canais de televisão. Programas que, via de regra, usufruem da ignorância e boa fé de pessoas humildes para enriquecimento de poucos. Qual é a lógica de uma pessoa ganhar milhões pra falar bobagens?

Tais “entretenimentos” são, em geral, cópias de antigos programas, sobretudo norte-americanos. Todavia, na década de setenta nos Estados Unidos, fugindo da mesmice, o apresentador canadense Monty Hall causou furor no mundo matemático no seu “Let´s make a deal” (“Vamos fazer um trato”), com o desafio por ele criado e que acabou rotulado como “paradoxo de Monty Hall”. Tal programa era de um nível bem melhor em relação aos que hoje em dia proliferam e que nada mais são do que meras clonagens de idiotices e besteiras.

Monty Hall apresentava à pessoa, escolhida por sorteio como participante de cada programa, um desafio curioso. Havia no palco três compartimentos, cada qual acessível através de uma porta designada por A, B ou C. Aleatoriamente, cada um de dois dos compartimentos continha um bode e no terceiro havia uma Ferrari vermelha novinha em folha. A pessoa deveria escolher uma das portas para Monty Hall abrir e, em seguida, entregar ao participante o respectivo conteúdo.

Dessa forma, a pessoa tinha uma chance em três de sair de lá feliz da vida com uma Ferrari do ano.

Entretanto, antes de abrir a porta escolhida pelo participante, Monty Hall, que sabia da disposição dos conteúdos, abria uma das duas outras portas demonstrando a existência de um bode no compartimento exposto. Em seguida, com um sorriso enigmático, ele perguntava à pessoa se ela não queria mudar de porta – para uma das outras duas que permaneceram fechadas. O participante, evidentemente, ficava numa sinuca de bico e com o cérebro cheio de diabinhos dando palpites. Anjinhos, como sabemos, não são adeptos de jogos. E, além de tudo, os diabinhos tinham de ser matemáticos, por causa da necessidade de algum conhecimento sobre probabilidades que o problema exige.

O leitor, com seus diabinhos matemáticos ou anjinhos tolerantes, saberia dizer qual a melhor opção? Continuar com a porta inicialmente escolhida ou mudar de porta?

A maioria das pessoas acha que tanto faz – que a probabilidade de se ganhar a Ferrari passa a ser de cinquenta por cento – como no “cara e coroa”. Outros, os desconfiados, acham que é melhor não mudar, pois aquele estímulo à mudança seria uma sacanagem de quem sabe onde está o carro. Esse argumento até seria aceitável, uma vez que Monty Hall, depois de sugerir a troca, afirmava que a maioria das pessoas errava na decisão. O que fazer?

Aquilo de “cara e coroa”, embora não exatamente equivalente em termos matemáticos, fez-me lembrar da história de um ator polonês. Ele, por volta da metade do século XIX, para dar verossimilhança ao seu desempenho, colocou, sem que ninguém soubesse, uma bala verdadeira no revólver para, no terceiro ato da peça, representar o seu personagem jogando roleta russa.

Com bala de festim, julgava o ator, não haveria emoção. Depois de sobreviver a vinte e duas apresentações, ele, por estar muito gripado, foi substituído. Sem saber daquele efeito emocional no revólver, o coitado do substituto morreu em sua primeira apresentação. Foi, portanto, uma cena realista “in extremis”.

Voltando aos bodes e à Ferrari. Na verdade, por incrível que pareça, trocando de porta o participante do desafio tem mais chance de ganhar a Ferrari, embora muita gente ache que “se mudar, vai dar bode”. Mudar realmente pode dar bode. Todavia, mudar significa uma chance em três de dar bode, mas duas chances em três de dar a Ferrari.

Isso não é muito claro para a maioria das pessoas. Não é palatável e não dá pra engolir. É por isso que se trata de um paradoxo – o “paradoxo de Monty Hall”.

A explicação para essa aparente contradição fica mais fácil de ser entendida através de uma representação gráfica da solução do problema e que pode ser encontrada em vários idiomas, com algumas variações, na Internet. Além de “o paradoxo de Monty Hall”, a busca pode ser feita por “o problema das três portas”. Em italiano, a explicação é muito interessante. Ela pode ser obtida através da busca, por exemplo, de “il problema delle tre porte”.

Ainda bem que hoje existe a Internet para clarear certas coisas e para livrarmo-nos de bodes. Matemáticos, é claro. Já no que se refere a bodes existenciais…

Do site referido no texto (aqui bode vira cabra):

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Adalberto Nascimento

Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), é pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.
É escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço

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