Coluna do Dal

A idade da Terra

Em 1650, o arcebispo James Ussher, da Igreja da Irlanda, após um extensivo e dedicado estudo, publicou um livro denominado “Annals of the Old Testament” (Anais do Antigo Testamento). Nele o autor chega à surpreendente conclusão de que a Terra foi criada ao meio-dia de 23 de outubro de 4004 a.C.

Evidentemente essa conclusão do arcebispo irlandês virou motivo de piada. É nisso que dá a interpretação literal da Bíblia, ou de ela aceitar fatos simbólicos como verdade absoluta.

Sobre isso, o famoso matemático russo Yakov Perelman, no seu delicioso livro “Mathematics can be fun”, demonstra de forma irônica a impossibilidade física da Arca de Noé. Perelman é autor de diversos outros livros curiosos sobre matemática.

Na verdade, aquele trabalho do arcebispo se juntou a inúmeros outros, nos primórdios da tentativa de se estabelecer uma idade para a Terra, e nos quais se chegou a muitas conclusões imprecisas e estapafúrdias. Esses estudos, todavia, tiveram como consequência a consolidação de uma nova e importante ciência: a Geologia.

Uma das primeiras ideias, de certa forma consistente, para a datação do nosso planeta foi proposta por Edmond Halley em 1715 (o famoso cometa denominado Halley é uma homenagem a esse cientista). Ele sugeriu que seria possível obter a idade da Terra dividindo-se a quantidade de sal nos oceanos pela quantia acrescentada a cada ano. Mas tal experimento era e é impraticável.

A primeira tentativa científica de medição foi realizada pelo Conde Buffon em 1770. Esse francês usou esferas metálicas incandescentes e mediu a taxa de perda de calor. Chegou à conclusão de que a Terra tinha entre 75 mil a 186 mil anos.

Outro cientista que estudou esse assunto foi Lorde Kelvin, na realidade William Thomson, que só virou lorde aos 68 anos. Era um verdadeiro gênio – com 10 anos entrou na Universidade de Glasgow. Mas, a despeito de toda a genialidade, também não conseguiu chegar a uma data conclusiva. Corroborava com a incerteza o advento de inúmeras descobertas de fósseis, contradizendo as estimativas efetuadas.

Lorde Kelvin, que faleceu em 1907, aos 83 anos, fez inúmeras descobertas, acumulou 69 patentes e ficou muito rico. Ele é o criador da escala de temperatura absoluta que até hoje leva seu nome. A zero grau Kelvin todas as moléculas de um gás perfeito parariam de se mover. Equivale a 273 graus centígrados negativos. Um frio de parar tudo!

Para esquentar um pouco, abrimos um parêntese com um fato pitoresco. O tal Conde Buffon publicou uma obra desdenhando dos seres existentes na América. Para ele, o ambiente pútrido deste lado do planeta produzia seres medíocres, sem pelos e com órgãos reprodutivos pequenos e fracos.

Os norte-americanos foram tomados de grande indignação e, por determinação de Thomas Jefferson, o general John Sullivan ficou encarregado de abater um enorme alce para demonstrar aos europeus a pujança de animais americanos. Depois de duas semanas abateram um alce, dotado, infelizmente, de cornos diminutos. Não tiveram dúvida: implantaram uma galhada de um veado para impressionar os “machistas franceses”. Em épocas recentes, os americanos poderiam contar com a criatividade dos nossos carnavalescos. E isso de demonstrar pujança com galhada de veado, soa para nós, latinos, algo muito irônico e paradoxal. Enfim, cada alce com o seu galho.

Outra figura importante nos primórdios da Geologia foi James Parkinson, um dos membros fundadores da Sociedade Geológica de Londres e que é lembrado pelo estudo que fez de uma doença então chamada de “paralisia trêmula”, hoje conhecida como doença de Parkinson. Acho isso muito estranho na medicina – o nome do estudioso ficar rotulado na doença.

Minha filha caçula, doutora em Genética Humana, determinou os fatores genéticos de uma síndrome em sua tese de doutorado. Recentemente, em artigo da Revista Nature, aquela síndrome foi designada como Síndrome de Nascimento por causa do nosso sobrenome.

Voltando à datação da Terra, além de Kelvin, outros cientistas se detiveram no problema, mas com resultados tão díspares que só fizeram aumentar a incerteza. No final do século 19, a confusão era tremenda, com textos e datas para todos os gostos.

Tudo parecia nebuloso (como em Brasília), quando então surgiu um neozelandês, Ernest Rutherford, que, embora se baseando mais na alquimia do que na química, estabeleceu de forma irrefutável que a Terra teria pelo menos centenas de milhões de anos. O que também não deixava de ser bastante genérico, mas já era alguma coisa. Nada a ver com o desejo atual de correntes religiosas fundamentalistas adeptas da teoria criacionista (Deus é o criador do homem e do planeta, como está escrito na Bíblia).

E, afinal, qual é a idade da Terra? A resposta: 4,56 bilhões de anos. Velhinha, não?

 

 

Adalberto Nascimento

Ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96), é engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.

Associado n.º 1 da AEASMS e servidor municipal aposentado, é escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço

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