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Artigo: O desabamento do edifício em São Paulo e a relação com os profissionais de engenharia e arquitetura

Toda vez que ocorre uma tragédia, como o desabamento do edifício localizado no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, volta-se as atenções para problemas de conhecimento geral, que por diversos motivos são deixados de lado nas mais diversas pautas e esferas.

Em que pese nesse contexto o déficit estimado de moradias de 350.000 unidades, as condições precárias de vida de mais de um milhão de pessoas (no Brasil mais de seis milhões de famílias, 20 milhões de pessoas), as dificuldades das famílias de baixa renda em morar nas regiões centrais dos municípios, os sete milhões de imóveis vazios, o incêndio e o desabamento merecem um foco de toda a sociedade e dos órgãos constituídos.

Alguns pontos merecem serem elencados, para que se possa ter uma visão da complexidade do problema, no âmbito do episódio da queda do edifício em São Paulo:

As irregularidades graves existentes no local já haviam sido apontadas pelo Corpo de Bombeiros anteriormente;

Noticiou-se na mídia que já há inquérito em andamento no Ministério Público;

O edifício estava desocupado desde o ano de 2001 e atualmente contava com aproximadamente 350 pessoas morando no local;

Moradores e vizinhos já haviam comunicado a possibilidade de eventos perigosos na localidade, como incêndio por exemplo;

A Prefeitura de São Paulo já havia se manifestado a respeito do problema, após vistoria da Defesa Civil no local sob os aspectos técnicos de sua competência, segundo noticiado;

Havia ação de reintegração de posse do imóvel arquivado;

Existem muitos outros edifícios na região (70 imóveis) com problemas semelhantes.

Além desses pontos, várias irregularidades relativas às condições do edifício se apresentavam, mesmo aos olhos de pessoas leigas na área, que foram apontadas em algum momento: esgoto vazando, fiações elétricas expostas e “gambiarras”, quantidade de botijões de gás em locais sem ventilação, lixo inflamável acumulado, idade e falta de manutenção do prédio construído em 1961, divisórias de madeira, colchões e roupas, fechamento de portas de escape, além de outras.

Apesar do problema das moradias precárias não ser exclusivo de São Paulo, que é agravado devido à necessidade de proximidade com a região central, a questão habitacional se estende a muitos municípios, onde outra face da questão se escancara: as ocupações em áreas de risco e de preservação ambiental e invasões com construções estruturalmente precárias e instalações de saneamento irregulares, sujeitas a tragédias não menos preocupantes.

Questões de cobrança de aluguel, extorsão, venda de drogas passaram a integrar o complexo sistema dessas ocupações, merecendo análise e busca de soluções, independente das questões policiais.

Sem abranger discussões e controvérsias como as do valor do aluguel social que é destinado a essa população, os valores aplicados e números de moradias construídas pelos programas habitacionais do governo, a distância dos conjuntos habitacionais aos locais de trabalho e seus reflexos na mobilidade urbana, a necessidade de investimentos para construção de equipamentos públicos nessas localidades, resta a crescente preocupação dos profissionais de engenharia e arquitetura com a repetição das tragédias.

Os engenheiros, pelo envolvimento e atuação em vistorias, análises e laudos que executam dos riscos em cumprimento à legislação concernente ao tema, e os urbanistas com as intervenções necessárias e seus equipamentos públicos na busca das soluções possíveis.

Essas atribuições, cuja competência é dos municípios conforme a Lei nº 12.608 de 10/04/2012 da Presidência da República, em seu artigo 8º estabelece entre outros:

– Identificar e mapear as áreas de risco de desastres;

– Promover a fiscalização das áreas de risco de desastre e vedar novas ocupações nessas áreas;
vistoriar edificações e áreas de risco e promover, quando for o caso, a intervenção preventiva e a evacuação da população das áreas de alto risco ou das edificações vulneráveis;

– Manter a população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, bem como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em circunstâncias de desastres;

– Proceder à avaliação de danos e prejuízos das áreas atingidas por desastres;

Necessário, pois, aos técnicos envolvidos nessas atribuições dos municípios, através das ações de Defesa Civil, especialmente engenheiros e arquitetos designados para cada caso, estudar, promover, analisar, participar, propor soluções para prevenção e mitigação de eventos dessa natureza, pelo conhecimento técnico, visão de contexto do problema e relação intrínseca com o tema.
Aos órgãos públicos, instâncias e sociedade como um todo, cabe apontar as várias faces do problema e atuar efetivamente no seu âmbito de competência.

Devido a natureza do problema habitacional mais amplo, o qual a participação técnica dos profissionais nos municípios é apenas uma parte da realidade, a procura por soluções, mesmo que parciais, passa necessariamente por novas abordagens. Edgar Morin, antropólogo, sociólogo e filósofo francês, considerado o criador da teoria da complexidade, defende que os problemas complexos atuais da sociedade requerem estudos inter e transdisciplinares e a contextualização de cada acontecimento, já que nada acontece separadamente, envolvendo interações, incertezas e fenômenos aleatórios, além da análise dos aspectos culturais, históricos e sociais.

O reconhecimento da complexidade dessa temática pelos engenheiros e arquitetos, a importância da classe para a pesquisa e estudos, a produção e a disseminação de seus conhecimentos aos interessados, aproxima os envolvidos das soluções possíveis, evitando catástrofes (largamente conhecidas como “tragédias anunciadas”), e podem contribuir consideravelmente na mitigação desses desastres, seja através de medidas preventivas ou recuperativas.

O conhecimento técnico, assim manifestado, integra-se aos outros aspectos do problema, promovendo e comprovando a importância da teoria de Morin, em face das inter-relações entre sociedade, ciência, técnica e política, necessárias e com possibilidade de obtenção de resultados mais efetivos nesses casos.

 

Autor: Mário Sérgio Killian

Diretor administrativo da AEASMS, engenheiro civil da Prefeitura de Sorocaba, membro da Defesa Civil e professor do curso de Engenharia Civil da Universidade de Sorocaba (Uniso)

Foto: Corpo de Bombeiros / PMESP

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