Coluna do Dal

Calendas

O período da Idade Média compreendido entre os anos 1300 e 1600 foi bastante inovador em várias áreas do conhecimento humano e também muito conturbado. Em 1347, uma frota genovesa proveniente do oriente trouxe uma terrível doença ao porto de Messina, na Sicília. E a epidemia da Peste Negra devastou a Europa, matando um terço da população.

Falei pouco sobre algo tétrico do início, mas reservei um espaço maior para o final do período mencionado – para comentar sobre calendários.

Calendário provém de “calendas”, que era a designação de uma etapa da marcação do mês utilizada pelos romanos.

Ou seja, o mês romano era dividido em três partes: “calendas, nonas e idos”, correspondendo respectivamente ao início, ao quinto ou sétimo dia, e ao meio do mês. Um sistema bastante confuso que, enigmaticamente, perdurou por muito tempo.

E, mesmo assim, os romanos achavam que confuso era o sistema utilizado pelos gregos, o que é evidenciado até hoje pela frase “foi para as calendas gregas”, usada para caracterizar um evento sem data definida ou que supostamente nunca acontecerá.

Dentre as diversas formas de marcar o tempo, o calendário lunar é provavelmente a mais antiga, em decorrência da fácil constatação da regularidade das fases da Lua. O mês era calculado pelos astrônomos dos povos antigos de várias formas: como o tempo entre duas luas cheias ou o número de dias necessários para que a Lua desse uma volta ao redor da Terra. Isso corresponde a aproximadamente 29,5 dos nossos dias.

A adoção de 12 ciclos mensais para um ano provavelmente decorreu de influência dos babilônios, que utilizavam o sistema sexagesimal com um calendário de 12 meses lunares, arredondando cada mês para 30 dias. O ano para os babilônios, portanto, correspondia a 360 dias.

E qual era o problema da adoção desse sistema de marcação do tempo?

A encrenca com esse e outros sistemas, que não o referenciado ao Sol, é que, ao longo do tempo, se perdia a correspondência com as estações do ano. Era, exagerando, como se, com o passar do tempo, um dado dia do ano previsto para o verão caísse em pleno inverno.

As férias de um sorocabano em Mongaguá poderiam cair na época de um frio medonho. Já pensou? Bermudão, chinelos de dedo, camiseta regata, boia e um baita frio. Nem pensar!

Teoricamente, se não houvesse a tal sazonalidade, qualquer sistema de marcação de tempo poderia ser arbitrado. É por causa das estações que até hoje fazemos uma correção no calendário, nos tais anos bissextos.

Os gregos que adotaram o calendário lunar já sabiam da falha e periodicamente adicionavam meses para a concatenação com as estações, o que também era feito pelos babilônios.

O problema da inclusão de meses adicionais para acertos é que ela era feita por “sacerdotes”, cheios de poder político e vaidade.

E, como todo poder perverte, as coisas ficavam arbitrárias. Muitas vezes as correções eram “esquecidas” e virava uma bagunça com muitas chiadeiras dos prejudicados.

Antes da adoção do atual calendário, foi predominante o uso do calendário juliano. E este decorreu da reforma do calendário romano, que inicialmente era lunar, com 304 dias divididos em dez meses, de março a dezembro.

Numa Pompilius, o segundo rei de Roma, acrescentou mais dois meses – janeiro e fevereiro –, fez alterações e estabeleceu o ano com 354 dias.

Em 46 a.C., Júlio César, influenciado pela cultura egípcia, promoveu a reforma do calendário romano, auxiliado pelo astrônomo alexandrino Sosígenes. Adotou-se então um calendário com 365,25 dias do ano solar, corrigido, a cada quatro anos, com anos bissextos.

Como curiosidades pertinentes: o sétimo mês, com 31 dias, foi denominado Julho, em homenagem a Júlio César. Posteriormente, o homenageado Augusto exigiu também 31 dias para Agosto. Assim, dois dias foram tirados de fevereiro. E ano bissexto decorre do fato de originalmente se repetir duas vezes (bis) o sexto dia antes de março. Nada a ver com os dois seis de 366.

Com a reforma de Júlio César as datas ficaram, por um bom tempo, mais condizentes com as estações do ano. E o calendário juliano perdurou até 1582. Todavia, o ano era computado por equinócios (momentos em que o Sol, em seu movimento anual aparente, corta o equador celeste, fazendo com que dia e noite tenham igual duração) o que implicava o acúmulo de cerca de um dia a cada 125 anos.

Em outubro de 1582, correções e mudanças ocorreram para o estabelecimento do calendário que ainda hoje utilizamos: o calendário gregoriano – porque promulgado pelo Papa Gregório XIII.

Vários dias do ano de 1582 foram eliminados pela reforma gregoriana. O pessoal que foi dormir em 4 de outubro daquele ano teve “o maior sono da história”. Os que não morreram acordaram no dia 15 de outubro de 1582.

Imaginem, então, quem estava tendo pesadelo. Que pesadelo!

 

Adalberto Nascimento

Ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96), é engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.

Associado n.º 1 da AEASMS e servidor municipal aposentado, é escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço

 

Foto: Calendário agrícola romano de Romulo, talhado em pedra, do século VI a.C. (Museo della Civilta Romana, Roma)

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