Coluna do Dal

Charlatanices

A publicidade para a venda de pulseiras designadas como “bioquânticas” está proibida. A tal pulseira, Power Balance, em inglês, só não torna o seu portador imortal. O resto, conforme o fabricante, ela faz. É, dizem, um produto de alta tecnologia desenvolvido por um cientista da Nasa.

Consiste “num holograma quântico que, entrando em contato com o campo magnético do corpo humano, aumenta a eficiência dos sistemas dos quais ele é composto”. Resolve tudo: reduz o estresse, aumenta a resistência física e torna o sistema imunológico mais eficaz.

Em suma: é um produto meio que milagroso, pois foi “concebido através da física quântica”. E, para ampliar as vendas, o fabricante, espertamente, utilizou atletas famosos, como o futebolista português Cristiano Ronaldo, para alardearem os efeitos fantásticos obtidos pelos portadores dessa quântica invenção.

Quase sempre, quando ocorre uma descoberta da ciência, charlatães entram em ação. Essa pulseira é, sem dúvida, mais um produto de charlatanice. Nesse caso, decorre de uma malandragem que aproveita a fama da tal energia quântica, conceito ainda pouco inteligível à maior parte da humanidade e que, por isso mesmo, é usado por espertos – espertos quânticos por dinheiro.

Outros, os esotéricos, sem proveito material, acreditam que a física quântica serviu para provar que “somos energia e estamos conectados através da nossa vibração”. Estes, todavia, são inofensivos – falam bobagens, mas, em geral, não levam vantagens. Os charlatães, estes, sim, são perniciosos, pois ficam ricos aproveitando-se da boa fé de pessoas ingênuas.

A palavra charlatão deriva de ciarlatano, que, por sua vez, provém de ciarla, de um dialeto italiano, e significa “conversar”, no sentido de “levar no papo”. Em português, temos também a designação de parlapatão àquele que faz uso de papo furado para ludibriar outrem (vide exemplos: Brasília e muitos programas de televisão).

A charlatanice, algo intrínseco à humanidade, sempre esteve presente no início de descobertas científicas, utilizando suas aplicações primevas de forma safada. Foi o que aconteceu com a eletricidade através de um notório exemplo – o do médico americano Albert Abrams.

Albert Abrams (1863-1924) se notabilizou por inventar máquinas que, segundo ele, podiam diagnosticar e curar a maioria das doenças. Ele, de forma fraudulenta, era portador do título de doutor pela Universidade de Heidelberg, da Alemanha, para dar mais credibilidade às suas invencionices.

Isso de indivíduos picaretas dizerem-se doutores e quetais é muito comum em nosso país. Aqui as coisas incomuns são muito comuns. Entretanto, hoje em dia, com o advento da internet, ficou mais difícil a vida de mentirosos que, anteriormente, faziam uso de artimanhas para enriquecer com variadas charlatanices. O leitor certamente conhece alguém que fez uso desses estratagemas para ludibriar incautos.

Abrams, além de mentiroso, era muito criativo (uma peculiaridade de picaretas). No final dos anos 1800, ele inventou um aparelho, por ele chamado de “dinamizador”, que fazia uso de eletricidade e servia para medir vibrações elétricas de uma gota de sangue.

O diagnóstico consistia, com a dita aparelhagem, em descobrir em qual parte do corpo as frequências ressoavam com as emitidas pela gota de sangue, identificando, assim, o órgão enfermo. Uma coisa, digamos, surrealista.

Mais surpreendente ainda é que o diagnóstico prescindia do paciente. Bastava o envio da gota de sangue do doente que o “dinamizador” era manipulado numa pessoa saudável. Não obstante, segundo Abrams, o diagnóstico era inquestionável.

A fama desse doutor, que foi nada menos do que vice-presidente da California Medical Society, começou a ir para cucuia quando ele diagnosticou câncer generalizado e tuberculose no trato urogenital em uma amostra de sangue de galinha, analisada como se fosse a de um ser humano.

Entretanto, pessoas com caráter de charlatão (sem caráter) não se dão por vencidas. São mentirosas contumazes que acabam acreditando nas próprias mentiras. Assumem uma personalidade superior em relação aos seres comuns e perdem o sentido da ética e da decência, sem se importarem com nada a não ser consigo mesmas.

Esses picaretas sabem que sempre haverá público para ser enganado, mormente em nosso país, que ainda abriga legiões de ignorantes. Além disso, eles usufruem do nosso sistema político, que é um excelente meio para a proliferação dessa praga. E os safados ficam impunes diante de leis confusas, justiça lenta e penas brandas.

Somos, pois, um país propenso às charlatanices de todos os tipos. Dos remédios para a cura da calvície às promessas de um paraíso a pessoas fragilizadas, suscetíveis a serem tapeadas.

 

Adalberto Nascimento

Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), é pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.

É escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço

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