Prestes a receber o maior volume de turistas do ano para as celebrações do ano-novo, o litoral paulista vive alta de casos de covid-19. Ao menos oito dos 15 municípios da região registraram, na última semana, alta incidência de infecções por coronavírus, segundo análise do Estadão feita com base em levantamento do Instituto Todos pela Saúde (ITpS).
O instituto calcula a taxa de casos de covid-19 por 100 mil habitantes por semana epidemiológica a partir dos dados informados pelos municípios ao Ministério da Saúde. A incidência da doença é classificada como alta quando esse número fica acima dos 100 registros por 100 mil habitantes. Considerando os últimos dados disponíveis, da semana epidemiológica 50, encerrada em 17 de dezembro, estão nessa situação dois municípios do litoral norte, um da Baixada Santista e cinco do litoral Sul.
Especialistas alertam para o risco de disseminação da doença durante as celebrações de ano-novo, quando as cidades litorâneas recebem centenas de milhares de turistas. “O risco de transmissão nas praias em si é baixo, porque são ambientes abertos. O problema são as baladas, os restaurantes fechados, as aglomerações de jovens”, alerta o imunologista Jorge Kalil, diretor-presidente do Instituto Todos pela Saúde.
De acordo com os dados do ITpS, a pior situação entre as cidades litorâneas é a de Caraguatatuba, com taxa de 894 casos por 100 mil habitantes – a sétima maior entre todos os municípios paulistas. Segundo os boletins epidemiológicos divulgados pela prefeitura do município, o número de infecções confirmadas triplicou em um mês, passando de 282 casos na semana 46 para 1.005 na semana 50. Entre as últimas semanas de outubro e as primeiras de novembro, antes do começo da nova onda de covid-19 no País, o número de novos casos semanais em Caraguatatuba não passava de 20.
O município, que espera entre 500 e 600 mil turistas para a semana do réveillon, também registra alta de internações por coronavírus, segundo os boletins epidemiológicos municipais. Na semana 46, eram nove hospitalizados nas unidades de saúde da cidade, com apenas um deles em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Na última semana, o total de internados passou para 16, dos quais 12 estavam em UTI.
Ainda no litoral norte de São Paulo, Ubatuba, que reúne algumas das praias mais badaladas do Estado, também tem alta incidência, mas com situação menos preocupante do que a vizinha Caraguatatuba. Na última semana, foram 117 casos por 100 mil habitantes. Em informe divulgado no dia 20, a prefeitura chama a atenção para a alta de casos e reforça a necessidade de a população completar o esquema vacinal contra a covid-19.
No último dia 10, o município liberou a quarta dose do imunizante para todas as pessoas maiores de 18 anos e diz ter disponibilizado uma equipe de saúde para realizar a vacinação de profissionais do comércio e quiosques da cidade.
O município tem índice de vacinados com a quarta dose bem abaixo da média do Estado. Segundo dados da plataforma Vacina Já, do governo paulista, apenas 17% dos moradores de Ubatuba receberam a quarta injeção, ante 30% em todo o território paulista. Em Caraguatatuba, o índice é de 24%.
Peruíbe é o município do litoral paulista com a segunda maior taxa de incidência de covid-19, segundo o levantamento do ITpS: 554 casos por 100 mil habitantes. Ainda no litoral Sul, estão com alta taxa de casos Ilha Comprida (403), Iguape (275), Itanhaém (266) e Cananeia (120). As taxas de cobertura da quarta dose da vacina nesse grupo de cidades estão um pouco melhores do que as dos municípios do litoral norte, variando de 28% a 39%.
Na Baixada Santista, o único município com alta incidência de covid-19 é Bertioga, com taxa de 250 infecções por 100 mil pessoas. A cidade de 64 mil habitantes espera que 450 mil pessoas curtam o réveillon em suas praias. O índice de vacinados com a quarta dose no município é de 23%.
Praia Grande, Santos, Guarujá, Mongaguá e Ilhabela registraram taxa de incidência menor que 100 infecções por 100 mil habitantes (veja mapa acima). São Sebastião e São Vicente não informaram os dados ao Ministério da Saúde na semana epidemiológica analisada e, portanto, não foram consideradas no levantamento do ITpS.
Para Jorge Kalil, a medida mais importante tanto para a população local desses municípios quanto para os turistas é completar o esquema vacinal. “O vírus ainda está circulando, ele mata menos por causa da vacina, mas ainda mata. É importante que todos, em especial os de maior risco, como idosos, imunocomprometidos ou pessoas com comorbidades, tomem as doses de reforço”, reforça o especialista.
Ele diz que, mesmo quem for viajar no final da semana, deve tomar a vacina o mais rápido possível. Embora a proteção conferida pelo imunizante demore alguns dias para se desenvolver de forma ideal, a resposta imune e produção de anticorpos começa logo após a aplicação e a proteção vai crescendo gradualmente ao longo dos dias seguintes.
Kalil defende ainda que, mesmo no litoral, as pessoas utilizem a máscara quando estiverem em ambientes cheios e pouco ventilados, como supermercados, restaurantes ou bares fechados (quando não estiverem comendo ou bebendo).
Municípios dizem que maioria dos casos é leve e reforçam ações de prevenção
Questionados pela reportagem sobre o impacto da alta de casos de covid-19 e as ações para reduzir o risco de disseminação do coronavírus, as prefeituras das cidades com alta incidência da doença disseram que a maioria dos casos é leve e que têm reforçado as ações de prevenção.
A prefeitura de Caraguatatuba afirmou que “o número de casos positivos para a doença tem aumentado, mas de pacientes com sintomas mais leves”. A administração afirma que a semana epidemiológica 50 teve 513 infecções confirmadas e que o número de mais de mil casos registrado no sistema do Ministério da Saúde se deve a “dados represados”. A prefeitura disse que não há sobrecarga na rede, pois, além da UPA, há leitos na Casa de Saúde Stella Maris e no Hospital Regional do Litoral Norte. Disse ainda que tem reforçado a campanha de vacinação, com aplicação das doses em espaço que funciona 24 horas na UPA do município.
A prefeitura de Ubatuba informou que, segundo boletim do último dia 20, “estava com apenas duas internações em leitos de enfermaria”, sem sobrecarga da rede. Disse ainda que “tem realizado diversas campanhas de vacinação contra a covid, com horários diferenciados, em parcerias com escolas para o público infantil” e imunização para os profissionais do comércio da cidade. “Também há na cidade informativos sobre o uso de máscara em locais muito cheios, higienização das mãos com álcool em gel e demais medidas preventivas contra a covid”, afirmou a administração.
A prefeitura de Iguape afirmou que a taxa de ocupação nos hospitais regionais que atendem a população do município é baixa (8,3% na enfermaria e 25% nas UTIs). Disse ainda que o número de casos positivos caiu entre a semana 49 e 50 e que tem feito mutirões de vacinação sistematicamente – o último foi realizado no último dia 19.
A prefeitura de Bertioga informou que não há internados por covid no hospital municipal e ressaltou que a Secretaria da Saúde “segue realizando campanhas para ampliar a cobertura vacinal e evitar o aumento de casos da doença, como a disponibilização de testagem gratuita, ações como o corujão da vacinação e drive da vacinação”.
A prefeitura de Itanhaém disse que há apenas três pacientes internados por covid na cidade e que não há fila de espera por leitos. Disse ainda que a vigilância epidemiológica do município vem atuando junto às unidades de atenção básica e rede de urgência para reforçar as medidas de prevenção, em especial a campanha de vacinação.
As prefeituras de Ilha Comprida e Cananeia não responderam. A reportagem não conseguiu contato com a prefeitura de Peruíbe. Um terço das cidades de SP tem mais de 100 casos por 100 mil habitantes
Para além do litoral, outras regiões do Estado também registram alta de infecções por coronavírus. Ainda de acordo com os dados do levantamento do Instituto Todos pela Saúde, um terço dos municípios do Estado teve na última semana epidemiológica taxa superior a 100 casos por 100 mil habitantes. São 228 cidades nessa situação de um total de 620 que informaram os dados.
No topo do ranking de maiores incidências, estão municípios do interior paulista, com Sales, Nova Independência e Registro encabeçando a lista. Todos têm índice superior aos mil casos por 100 mil habitantes. Para a infectologista Raquel Stucchi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o momento é de cautela para que as festas de fim de ano não disparem uma onda de casos similar à observada em janeiro do ano passado, com a variante Ômicron.
“Em algumas cidades do Estado, como na capital, já estamos em uma fase de estabilização do número de novos casos e início da queda. Em outras áreas, como algumas cidades do litoral e interior, ainda há aumento de casos. Se relaxarmos na proteção, podemos ter um novo recrudescimento da pandemia no Estado e alta de casos e internações logo após as festas de fim de ano. E o pior é que não temos toda a estrutura de leitos extras que tínhamos nas outras fases da pandemia”, diz a médica.
Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo