Da coruja

Coluna do Dal

Da coruja

O olhar da coruja, por denotar reflexão e sabedoria, impressionou os gregos de tal forma que essa ave tornou-se para eles o símbolo do conhecimento racional. Em razão disso, a coruja virou mascote da deusa Atena (Minerva para os romanos) — a “deusa da Sabedoria”.  Todavia, num dado momento da história, a coruja teve sua reputação abalada, passando a ser evitada pelo fato de seu piado ter sido considerado, como prenúncio de má sorte. Acho que, nesse sentido, o mundo está ficando infestado de corujas.

Pelas suas peculiaridades, muitas lendas foram associadas às corujas. Uma bem interessante, “A águia e a coruja”, devemos ao escritor, poeta e fabulista francês La Fontaine (1621-1695). Resumindo-a: aquelas duas aves fazem um pacto de não-agressão. E, portanto, para não atacar os filhotes da coruja, a águia pede que ela os descreva. Pela descrição fornecida, eles seriam os bichinhos mais encantadores da terra. Posteriormente, em busca de comida, a água encontra um ninho cheio de filhotes horrorosos e os devora. Por conseguinte, foi energicamente questionada sobre a quebra do pacto pela “mãe coruja”, expressão para a qual são dispensáveis explicações. Mas também existe “pai coruja”. Eu sou um.

Certa ocasião, já faz tempo, uns frangotes começaram a rodear minha casa por causa, evidentemente, de minhas duas filhas, então no início da adolescência. Importunado com aquele carro passando de forma insistente em frente de casa, larguei o que estava lendo e fui ao jardim portando uma assustadora cara de mau já encimada por cabelos brancos. Deu pra ouvir o comentário de um dos meninos: “Pô, em vez das minas, saiu o avô das minas”.

Voltando ao papo inicial. Em nosso país, como não poderia deixar de ser, a coruja é também protagonistas de piadas. Vejamos uma antológica. Um cara de malandro vende ao nosso famoso Manoel uma coruja como se fosse um papagaio. Depois de um tempo da trapaça, o malandro, por acaso, dá de cara com o Manoel. Cinicamente, pergunta-lhe se o papagaio já estava falando. E ouve, como resposta: “Falar, ainda não fala, mas presta uma atenção…”.

Não obstante aquela carinha de sábia atenciosa, a coruja é, na realidade, uma “máquina programada para matar”.  Quem nos conta sobre essa outra face da coruja é o matemático americano Keith Devlin, em seu livro “O instinto matemático”. Dele, concluímos que o instinto matemático da coruja possibilita a consecução do seu instinto assassino por ela dispor de um sofisticado ferramental de cálculo, que permite que ela seja detentora de um sistema extremamente preciso de orientação para caçar e, obviamente, matar suas presas.

Vejamos como o sistema funciona. Os olhos da coruja são enormes. Num ser humano seriam como duas laranjas. Por serem grandes captam muita luz e conseguem ver na escuridão. Mas esses olhos são fixos nas suas órbitas. Para compensar a falta de movimento nos olhos, o pescoço da coruja é como um periscópio — capaz de girar 270 graus (três quartos de uma circunferência).

Mais ou menos como aquela menina do filme “O Exorcista” — uma coisa pavorosa. Mas, além dos olhos, o que torna a coruja especial é a sua audição, que é extremamente aguçada. Para isso corroboram a forma e a disposição das suas orelhas, auxiliadas pelas sobrancelhas, que funcionam como antenas parabólicas. A orelha direita é 50% maior aque a esquerda e situada mais acima do crânio. Ou seja, em termos estéticos, a coruja é, digamos, bastante desengonçada.

Entretanto, é esse arranjo esquisito que permite à coruja desenvolver a técnica matemática da triangulação. A triangulação, como o próprio nome indica, compreende a execução de cálculos através da utilização de, como não poderia deixar de ser, triângulos. É o método utilizado em levantamentos topográficos e geodésicos. Triangulações sofisticadas também estão presentes nos cálculos interativos distâncias e ângulos entre a terra e satélites, possibilitando, com isso, a utilização de inúmeros tipos de GPS.

Todavia, a coruja dá de dez a zero nesses sistemas computacionais. A assimetria de suas orelhas possibilita o rastreamento sonoro de sua presa. Os sons chegam em intensidades diferentes em cada orelha e deslocados em cerca de 12 graus. Com esses dados a coruja “faz” as triangulações necessárias e, com aqueles olhos enormes, mira a presa, que dificilmente escapa. Até porque, além das habilidades citadas, a coruja é um primor da engenharia aerodinâmica.

A maciez e disposição das penas fazem com que seu voo não produza ruído. E mais: ela tem quatro garras em cada pé, sendo que em cada um deles uma das garras é reversível para formar uma espécie de pinça que agarra ou rasga a infeliz presa. Enfim, aprendemos que o olhar da coruja é, na verdade, sabiamente fatal.

 

(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, Adalberto Nascimento atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.
Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

 

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