Da flatulência

Em 1783, o inventor americano Benjamin Franklin, irritado com o fato de a Academia Real de Bruxelas dedicar-se em excesso a questões matemáticas teóricas, enviou uma carta àquela instituição.

Nela, de forma irônica, ele sugeria uma pesquisa para a descoberta de uma pílula que produzisse gases humanos perfumados. Ou seja, uma droga para aromatizar a flatulência, tornando-se, mesmo com algum barulho, algo socialmente aceito e até desejável. Imaginem: puns com cheiros de flores ou de almíscar…

Com certeza teríamos celebridades fazendo propaganda de pílulas de grifes. Todo mundo querendo as recomendadas pela Gisele Bündchen. Para o povão, é claro, seriam disponibilizados genéricos.

Como não poderia deixar de ser, o vale-pum, em lançamento com muitos rojões (naturais e artificiais), seria a nova coqueluche do governo. Infelizmente, correríamos o risco de surgir no Congresso uma verba de subvenção para tal fim, tendo em vista a enorme quantidade de material pastoso correspondente que lá é produzido.

O fato é que ninguém deixa de fazer puns. Às vezes, além de malcheirosos, em decibéis vergonhosos. Infelizmente, os cientistas ainda não conseguiram produzir os aromatizantes sugeridos por Benjamin Franklin, mas, de forma competente, hoje eles dissecam as características do flato com riquezas de detalhes.

Com a técnica conhecida como cromatografia gasosa é possível analisar gases desconhecidos. Hoje, os químicos já sabem que os gases culpados pelos ventos malévolos representam menos de 1% do volume total dos gases produzidos por um ser humano. Nesse volume ínfimo há, no entanto, cerca de 250 componentes repugnantes.

Essa corja vem do ar que engolimos, e também, em sua maioria, como produtos de bactérias que processam açúcares, amidos e fibras no cólon. Como não produzimos enzimas suficientes pra detonar certos alimentos, eles vão para o cólon fazer a felicidade das bactérias e a posterior infelicidade do ambiente externo.

Cada ser humano produz odores gasosos específicos. São como impressões digitais (ou seriam “expressões retais”?), conforme porcentuais dos gases, incluindo os mais fedidos: sulfeto de hidrogênio, metanotiol, escatol, dimetil sulfeto e dimetil dissulfeto.

Como dá pra perceber, o enxofre – sulphur, em latim (coisa do diabo) – é componente básico da maioria dessa turma desagradável. Podemos, assim, de forma químico-politicamente correta, dizer que “fulano é um sulfetante”.

Dentre os alimentos sulfetantes, temos o feijão, o repolho e o brócolis. Pitágoras não comia feijão porque achava que os gases levavam junto parte da alma do flatulento.

Os pilotos alemães, notórios comedores de repolho, sofreram terríveis cãibras abdominais durante a Segunda Guerra Mundial. Em elevadas altitudes, a pressão externa é reduzida, fazendo com que os gases da barriga se expandam. Por isso, o flato foi objeto de intensas pequisas com o advento da era espacial. Daí a tal refeição de astronauta, que, sem dúvida, evita alimentos produtores de gases.

Como curiosidade, o padeiro francês Joseph Pujol (1857-1945), ironicamente, teve como ganha-pão a arte de fazer pum. Era conhecido como “petomane”, algo como ”maníaco por pum”. Ele tinha uma incrível capacidade de sugar ar e água pelo orifício que normalmente usamos para expelir gases “et caterva”.

Com aquele talento, para delírio dos freqüentadores do Moulin Rouge, ele produzia os mais variados sons e fazia muitas coisas insólitas, como, por exemplo, apagar velas num único soprão. Um reto-soprão.

Esse indivíduo morreu com 88 anos, sem nunca ter ficado doente, por fazer, segundo alguns estudiosos, uma lavagem interna “sui-generis” todas as manhãs. Mesmo assim, morreu.

Aquela menção feita sobre refeição de astronauta trouxe-me algumas recordações – do Gagarin e de um tio-avô de nome Carlos Hannickel (homônimo de um tio, irmão da minha mãe). Já explicarei o porquê.

Para quem não se lembra, Yuri Gagarin foi um cosmonauta soviético e o primeiro homem a viajar pelo espaço. Ficou célebre a frase que ele pronunciou: “a Terra é azul”.

Já o meu tio-avô Carlos era uma figura singular. Sempre impecavelmente bem-vestido, era considerado um bonitão pela mulherada. O querido professor Benedito Cleto, quando soube desse meu parentesco, mencionou: “Então você é sobrinho do poeta!”. Além de poeta, um grande proseador.

E o que tem Gagarin a ver com meu tio? Bem, eu era criança quando ele me contou sobre uma estranha experiência: alguém armazenara, sabe-se lá como, os puns que fazia numa garrafa. Quando perguntei sobre o resultado da experiência, ele, com ar de filósofo, disse-me: “o pum é azul”.

Hoje, astronauta, professor e poeta ficariam estarrecidos ao verem a Terra sendo sufocada por uma horrenda e cinzenta “pumluição”.

 

Adalberto Nascimento

Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), é pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.
É escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço

Ilustração: zygotehasnobrain/iStock

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