Da tabela periódica

Em 1955 foi descoberto o elemento químico 101. Foi chamado de mendelívio. É um elemento químico instável e sujeito a fissão nuclear espontânea. Seu nome foi dado em homenagem a Dmitri Ivanovich Mendeleiev, cientista russo, nascido na Sibéria e que, também “instável”, foi o criador da famosa “Tabela Periódica” dos elementos químicos.
Como suponho que a manioria dos leitores não tem afinidade com a química, esta narrativa se prenderá aos aspectos históricos e pitorescos envolvendo esse personagem “sui generis” da velha e convulsionada Rússia. Sempre tive especial atração pelas coisas do povo e da cultura russa. Lí diversos autores russos, em especial os livros de quem é considerado um dos monumentos da literatura mundial — Dostoiévski.
Recentemente, um amigo querido me presenteou com uma coleção das obras desse autor. Esse amigo é um dos expoentes da engenharia nacional e, sobretudo, um ser humano especial. Falo do engenheiro politécnico Paulo Arlindo Baddini, portador de uma inteligência excepcional e de cultura enciclopédica. O fato de tê-lo como amigo é, por si só, um presente. Quem o conhece, sabe a veracidade do que falo. Ele, sim, deveria ser, se existisse, membro de um Conselho Municipal de Notáveis. Pela sabedoria e pela humanidade.
Mas vamos lá com o nosso tema. Estou, sem perceber, criando parágrafos enormes — como os dos russos –, evidentemente que sem a mesma qualidade. Mendeleiev nasceu em 8 de fevereiro de 1834 em Tolbosk, no oeste da Sibéria, e era o caçula, não se sabe ao certo, de 14 ou 17 filhos. Uma filharada, não é mesmo? Todavia, devemos ter em mente que na Sibéria faz um frio siberiano… E depois de muitos problemas familiares, sobrou para aquela mãe siberiana cuidar do seu caçula. A mãe, como sempre. Acho que deveria ser feito um levantamento sobre a importância das mães na vida de inúmeros cientistas. Provaria, evidentemente, que mãe é mãe. Sempre — até de gênios –, como a de Kepler, que quase foi para a fogueira por ter sido considerada bruxa.
A mãe de Mendeleiev, que não era bruxa, tentou que ele ingressasse na Universidade de Moscou. Mas não havia naquela universidade “cotas” para os provenientes da província siberiana da qual eram originários. Esse negócio de cotas sempre esbarra em burocracia com funcionários kafkianos. E, depois de muito batalhar, usando até o nosso jeitinho brasileiro por causa da amizade da família com um “figurão”, a mãe de Mendeleiev conseguiu que ele fosse matriculado na Universidade de São Petesburgo. Essa cidade, aliás, foi implantada numa região pantonosa do litoral Báltico por Pedro, o Grande. Ele queria fazer dela uma “janela para Europa”. E ela acabou sendo, por determinação daquele estadista, um importante centro cultural e científico. Para lá foram diversos gênios de outros países.
Em 1855, Mendeleiev formou-se como professor secundário e, como primeiro aluno daquele ano, ganhou medalha de ouro. Em seguida, foi trabalhar na Criméia, até porque esse local era menos frio e, supunha-se, seria bom para ele por estar com tuberculose. Depois de ser examinado por um eminente médico (Perogov), ficou constatado que a sua doença não era fatal e ele voltou para São Petesburgo. Entretanto, a universidade era ainda precária e, seguindo os conselhos de Borodin (químico e compositor musical), por sinal, excelente), foi a Paris estudar com Regnault, o mais famoso experimentalista químico da época.
Depois de Paris, Mendeleiev foi para Heidelberg, na Alemanha. Lá teve aulas e participou em experiências químicas com Kirchhoff e Bunsen (para os engenheiros elétricos: as Leis de Kirchhoff; para os químicos, o Bico de Bunsen. Quem se lembra?). E daí? O leitor poderá considerar que até aqui “foi muita alegoria e pouco samba no pé”. Alguns podem, e com razão, achar que melhor seria falar sobre a tenista russa Maria Sharapova do que sobre esse tal Mendeleiev. Afinal, a “química” dela é bem mais atraente. E isso é mesmo verdade — Mendeleiev cortava o cabelo uma única vez por ano. E a sua barba era uma coisa muito estranha — parecia um tridente de tanto ele, absorto em pensamentos, cofiá-la exageradamente. Seria, em tempos atuais, “uma figura”, um bicho-grilo. Todavia, a humanidade deve, e muito, a muitos desses “bichos”…
O que Mendeleiev queria era obter uma correlação consistente entre os elementos químicos então conhecidos: uma ordem, um padrão. E, na espera de uma viagem de trem da Estação Moscou para Tver, ficou fundindo a cuca sobre isso até que, exausto, adormeceu. E sonhou. No sonho “viu” uma tabela que sistematizava todos os sessenta e um elementos químicos. Acordou e escreveu a Tabela Periódica. Esse foi o melhor “apagão” da história química.

 

⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, Adalberto Nascimento atuou como engenheiro, consultor e professor universitário. Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96). Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

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