Do século XIV ao XVIII, milhares de pessoas foram assassinadas por praticarem rituais pagãos considerados bruxaria. A maioria das pessoas trucidadas era constituída de mulheres idosas e pobres.
O assassinato de tantos inocentes decorreu não somente por questões religiosas, mas também por uma misoginia estimulada por homens poderosos na hierarquia das igrejas católica e protestante.
Acreditava-se que as bruxas eram pessoas capazes de mudar o destino ou a sorte de alguém. “Sors” significa sorte, em latim. “Socier” é a palavra francesa para bruxo. Por meio de rituais, bruxos e bruxas podiam lançar feitiços: sortilégios ou malefícios.
A crença na feitiçaria e na magia é algo que existe desde a Antiguidade. Para os seres humanos da Europa pré-cristã o mundo era cheio de magias, superstições e de rituais pagãos.
À medida que o Cristianismo foi se expandindo, muitos dos rituais e celebrações pagãs foram sendo incorporados pela religião cristã. O Dia de Todos os Santos é uma espécie de contraponto ao Halloween (Dias das Bruxas). O Natal é uma incorporação da Saturnália, dia festivo dos romanos.
Antes de 1350, a bruxaria era vista pela Igreja como uma tentativa de controlar a natureza através da feitiçaria. A magia era tolerada, desde que considerada pela Igreja como uma forma de milagre. Quando feita fora da Igreja, era obra de Satã.
A Inquisição, estabelecida em 1233 para lidar com hereges, expandiu suas funções incluindo a bruxaria, por causa da suposição de que seus praticantes pactuavam com o diabo. E a coisa ficou preta para muitas pessoas que eram simplesmente acusadas de praticar bruxaria sem que houvesse necessidade de comprovação.
As confissões eram obtidas sob torturas horrendas. Na Inglaterra, como a tortura não era permitida, o método utilizado era sutilmente britânico. A suposta bruxa era jogada num poço. Se flutuasse, tratava-se efetivamente de uma bruxa e, subsequentemente, era enforcada. Se afundasse e morresse, não era bruxa – um consolo para a família.
Sempre fiquei intrigado com aquela história de bruxas voando em vassouras para ir às reuniões (sabás). Alguns autores citam que cada bruxa era acompanhada de um gato ou um sapo. Isso é relatado em “As bruxas – noivas de Satã”, de Jean Michel Sallmann. Já Moacyr Scliar, em seu livro “Saturno nos trópicos”, considera que essa lenda de bruxas voadoras decorre de elas serem empaladas com vassouras.
Os autores Penny Le Couter e Jay Burresson apresentam uma explicação interessante para esses voos com vassouras no livro “Os botões de Napoleão”, como veremos em seguida.
Segundo os autores citados, os tais voos eram, na realidade, “verdadeiros baratos” que as ditas bruxas curtiam em decorrência de passarem determinados unguentos no cabo de uma vassoura para esfregá-lo em partes do corpo em que a absorção pela pele é maior – em locais pilosos, como o reto e a vagina.
Muitas “bruxas” admitiam que voavam antes mesmo de serem torturadas. E tal fato – bruxas voando em vassouras – acabou ficando impregnado no imaginário coletivo.
Os unguentos mais utilizados como “combustíveis de voo” eram a mandrágora, a beladona e o meimendro. A mandrágora tem raízes que lembram a forma humana.
Na antiguidade, era usada como uma espécie de viagra e também como soporífero. Diziam que crescia debaixo de forcas e, quando arrancada, emitia gemidos e exalava um cheiro insuportável.
A beladona – de “bella donna”, bela mulher em italiano – ganhou esse nome porque as italianas pingavam o sumo dessa planta nos olhos para dilatarem as pupilas e, supostamente, ficarem mais belas. Ingerida em grande quantidade, a beladona produz sonos profundos semelhantes à morte.
Já o meimendro é um poderoso soporífero e mitigador da dor (em especial a de dentes). Em excesso, é um veneno mortífero.
A mandrágora e a beladona contêm vários alcaloides semelhantes. Os dois principais (hiosciamina e hioscina) estão presentes nas três plantas citadas anteriormente. A atropina, uma forma da hiosciamina, é usada para dilatar a pupila em exames oftalmológicos.
Essas plantas, devidamente preparadas e aplicadas adequadamente, produzem efeitos alucinógenos. Digamos que “dá asas…”.
A Igreja foi impiedosa com as velhinhas voadoras. Um livro da Idade Média, “O martelo das bruxas”, escrito por dois padres dominicanos, era um guia impiedoso de como torturar física e psicologicamente hereges e bruxas.
Seguindo as instruções desse livro, os torturadores obtinham a confissão que quisessem. E, sem mais, as pessoas eram enforcadas ou iam para a fogueira.
Hoje, diante de tantos fatos insólitos, fico pensando se não seria interessante um livro igualmente impiedoso. Algo como “A marreta dos pedófilos”. De fazer pessoa indecente querer virar bruxa pra sair voando…
Adalberto Nascimento
Ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96), é engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.
Associado n.º 1 da AEASMS e servidor municipal aposentado, é escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço