Coluna do Dal

Das cores

Foram os pintores ditos impressionistas que, de forma exacerbada, concluíram que a cor não era uma qualidade permanente e inalterável na natureza.

Para demonstrar o delicado bailado de luzes e cores em constante mutação, Claude Monet (1840-1926) pintou, em diferentes horas, a catedral de Rouen (França), montes de feno e paisagens. E, no final do século XIX, um grupo de impressionistas radicais cismou em obter as cores de forma análoga às produzidas pelo espectro solar.

Este, como sabemos, tem sete cores básicas, mas visualmente elas podem ser consideradas apenas seis, pois o índigo (anil) é uma variante do azul. Dessas seis cores, temos três primárias (amarelo, azul e vermelho) e três binárias (verde, alaranjado e violeta), sendo que estas decorrem de misturas entre primárias específicas.

Inicialmente, aquele grupo de impressionistas começou, por exemplo, a misturar na paleta o amarelo com o azul para obter o verde. Em seguida, numa espécie de ânsia por autenticidade, em vez de misturar na paleta, resolveram pincelar sutilmente aquelas cores de forma que a mistura se desse na tela.

Finalmente, com uma técnica levada ao extremo, eles colocavam bem juntos dois pontos, um amarelo e outro azul, para que a fusão em verde se fizesse no olhar. A tela ficava salpicada de pontinhos coloridos e, por isso, essa técnica ficou conhecida como pontilhismo.

Os “pontilhistas”, de forma inconsciente, fizeram com aquele jeito de pintar uma espécie de premonição do que os cientistas confirmaram sobre a descontinuidade da matéria, depois da descoberta do átomo.

Antes, a matéria era considerada contínua – sem vazios –, pois o “éter”, uma espécie de fluido sutil, era o que preenchia todo o espaço e envolvia a Terra toda. Era, portanto, uma substância que tinha o poder da ubiquidade, ou seja, o de estar em toda a parte todo o tempo. Os que são da minha geração devem se lembrar de antigos locutores para os quais as ondas sonoras “viajavam pelo éter”.

Essas elucubrações me são possíveis porque no início da universidade frequentei um curso sobre história da pintura. Alguns dos meus amigos de faculdade chegaram a considerar aquela minha atitude pra lá de exótica. Uma coisa meio que… Bom, é melhor seguir uma velha recomendação turca: “Se o que você tem a dizer não é melhor que o silêncio, não diga nada”.

Aquele curso extracurricular sobre pintura foi ministrado nas antigas instalações do jornal “O Estado de S. Paulo”, na Rua Major Quedinho, em São Paulo, onde também funcionava a Rádio Eldorado, emissora que nos brindava com uma programação primorosa: “Concerto do meio dia”, “Um piano ao cair da tarde”, “Música de cinema” etc. Quem se lembra? Da velha guarda, é claro.

Depois do curso e de muita economia, comprei um livro sobre pintura e, de lambuja, levei outro sobre escultura. E, a conta-gotas, colecionei aquelas edições sobre pintura vendidas em bancas de jornal, assim como as de músicas clássicas. Esse foi o início do que acabou sendo de grande valia para mim e, por extensão, às minhas irmãs; e, posteriormente, às minhas filhas.

Aprendemos a usufruir o prazer inerente às diferentes formas de arte. Hoje, pensando sobre isso, tenho certeza de que cursos daquele tipo deveriam fazer parte da educação de todos. Ou seja, cursos sobre a história e com informações básicas sobre todo tipo de arte. Fechando este parêntese, aberto sem aviso.

Voltando às cores, as diferentes colorações celestes decorrentes da interação da luz do Sol com a atmosfera – nosso “fluido amniótico” – são maravilhosamente intrigantes, assim como as sutilezas da luz e das cores e seus matizes na natureza.

Coisas que também intrigaram Leonardo da Vinci. Daí o fato de suas contribuições para a teoria da pintura incluir estudos sobre perspectivas referentes à mudança da cor dos objetos à medida que estes se distanciam. Isso tem a ver, por exemplo, com a representação de montanhas e florestas distantes em tons azulados, pois nessa perspectiva é que percebemos mais o azul do ar.

Essas coisas da natureza que nos encantam, como o azul do céu, as cores da alvorada e do pôr-do-sol decorrem do que é designado como “espalhamento da luz”. Para sentir de perto esse fenômeno, uma experiência bem simples pode ser feita.

Sobre uma mesa, coloque uma pequena quantidade de leite numa jarra de vidro transparente cheia de água limpa. Acenda uma lanterna próxima a esse recipiente. A lâmpada da lanterna, como o Sol, apresenta uma coloração amarelada. Nenhum desses elementos apresenta as cores azul ou vermelha.

Entretanto, se a lanterna girar ao redor da jarra, uma contínua mudança do azul para o vermelho poderá ser observada. Dependendo do teor de leite ou da utilização de outras substâncias, teremos diferentes “espalhamentos”.

Infelizmente, os diferentes e belos espalhamentos na natureza estão tendendo ao fatídico “cinza-poluição”…

Adalberto Nascimento

Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), é pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.
É escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço.

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