De juros

Conta a lenda que Einstein considerava os juros compostos uma invenção genial. Trata-se, evidentemente, de uma piada pelo fato de o grande cientista ser judeu. Será que ele usava a regra “do 72”? E o que vem a ser isso? Explicaremos através de um exemplo. Suponha que alguém faça uma dada aplicação a juros compostos (juros sobre juros), digamos a 9 por cento ao ano. Para sabermos quanto tempo levará para a quantia aplicada dobrar de valor, dividimos 72 por 9, resultando 8.

Ou seja, se alguém, por exemplo, aplicar mil reais a nove por cento ao ano, depois de oito anos ele terá dois mil reais. Esse número de anos é aproximado, pois 72 foi adotado para facilitar as contas. Essa regra foi pela primeira vez descrita no livro “Summa de Arithmetica”, em 1493, pelo monge franciscano Luca Pacioli (1445-1514), considerado o patrono dos contabilistas. Vejamos, em italiano (obtido na internet), a receita de Pacioli:

“A voler sapere ogni quantità, a tanto per 100 l’anno in quanti anni sarà tornata doppia tra utile e capitale, tieni per regola 72 a mente, il quale sempre partirai per l’interesse, e quello che ne viene, in tanti anni sarà raddoppiato. Esempio: Quando l’interesse è a 6 per 100 l’anno, dico che si parta 72 per 6; ne vien 12, e in 12 anni sarà raddoppiato il capitale”.

Resumindo: uma aplicação a 6 por cento ao ano terá o dobro do valor em (72/6) anos. Ou seja, em 12 anos. Com as dicas expostas, poderemos calcular o juro anual para uma aplicação dobrar de valor, digamos em 5 anos. Nesse caso, o juro deverá ser de 14,4% ao ano. Agora ache um banco disposto a pagar esse juro. Cobrar, os bancos sabem. E como! Um valor não pago de cheque especial dobra rapidinho.

Por exemplo, a juros “bonzinhos” de 10% ao mês a dívida, por Pacioli, dobra em 7,2 meses! Os bancos remuneram a juros baixos ao ano e cobram a juros altos ao mês. Ou seja, é pertinente a indagação do dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956): “Que é roubar um banco comparado com fundá-lo?”.

Os cálculos expostos são aproximados. Para termos o tempo exato, em anos, necessários para que uma aplicação dobre de valor, a fórmula correta é T=ln2/ln(1+r), onde ln é logaritmo neperiano (poderia também ser com log – logaritmo decimal) e “r” é a taxa de juro ao ano, em decimal.

Se, por exemplo, a taxa de juro for de 4% ao ano (r igual a 0,04) e o tempo correto arredondado será de 17,7 anos. Por Pacioli, obteremos 18 anos. A regra de Pacioli é uma simplificação. No tempo dele não havia computadores.Também podemos simplificar para a obtenção de um valor aproximado na transformação de graus Fahrenheit para centígrados (ou Celsius).

Basta tiramos 32 da medida em Fahrenheit e dividirmos por dois (ou multiplicarmos por 0,5). A fórmula correta é C=[5(F-32)]/9. Apenas aproximamos 5/9 com 5/10, que dá 1/2. Sempre faço isso quando vejo a indicação de temperaturas em Fahrenheit.

O famoso livro – que se tornou filme – “Fahrenheit 451” poderia ter o título traduzido para “Celsius 233”. No livro (e filme), os livros são proibidos e a função dos “bombeiros” é queimar livros. As pessoas resistem, memorizando-os. Cada pessoa “vira” um livro. Lembro-me da cena em que dois irmãos gêmeos eram livros – os dois volumes de “Guerra e Paz”, de Tolstói.

O filme teve o roteiro adaptado do romance escrito pelo americano Ray Bradbury (1920-2012) e foi dirigido pelo francês François Truffaut (1932-1984). O título advém do fato de 451 graus Fahrenheit (233 graus centígrados) corresponder à temperatura de queima do papel.

Voltando aos juros. Acho uma safadeza essa história de juro zero. Deveria ser proibido. É óbvio que juros escandalosos estão embutidos nas tais parcelas fixas. Pra vender vale mentir. E os coitados que se endividam pagando a parcela mínima do cartão de crédito? A dívida vai crescendo exponencialmente com juros amazônicos. É o que acontece com o tal empréstimo consignado.

Uma armadilha a que estão sujeitos, sobretudo, os idosos aposentados cujos parcos recursos corroboram para engordar porcos já bastante obesos. Será que não estamos produzindo uma enorme bomba de efeito retardado? Será que daqui a algum tempo não teremos legiões de inadimplentes? E, como sói acontecer, toda a população acabará pagando por tudo que dá errado neste país.

Outro fato de enervar monge tibetano é essa insistência para que aceitemos cartões de créditos. Antes eu sugeria a amigos dizer que não poderiam aceitar por estarem em liberdade condicional. Hoje não dá para fazer mais isso. Depois de tanta bandalheira impune, parece que até ficou chique ter pendência com a justiça. Por falar nisso, o tempo está passando… Qual deveria ser o montante atualizado, a juros de cheque especial, da dinheirama roubada por essa corja de políticos corruptos? Pacioli e Einstein ficariam estarrecidos!

⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, Adalberto Nascimento atuou como engenheiro, consultor e professor universitário. Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96). Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

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