Coluna do Dal

De números e censos bíblicos

A singularidade dos números bíblicos decorre do fato de muitos deles serem exageradamente grandes para as coisas às quais estão relacionados. O exemplo mais significativo é a quantidade de anos vividos por Matusalém – a bagatela de 969 (quase um milênio).
Além desse caso, temos, dentre outros, o de Noé, neto de Matusalém e o segundo mais longevo bíblico. Ele viveu 950 anos, morrendo 350 anos depois do dilúvio. Ou seja, Noé construiu a arca quando tinha quase 600 anos. Adão, por sua vez, viveu “apenas” 930 anos, o que seria até compreensível, já que ele tinha de produzir a humanidade…
Essas longevidades bíblicas decorrem de erros de tradução ou do fato de ciclos lunares terem sido contados como anos. Ou seja, a Bíblia, contrariando o desejo de muita gente tola e de espertos que se aproveitam de tolos, não pode ser entendida literalmente.
O primeiro censo (Êxodo 30,11-14) ocorreu depois que os judeus se libertaram dos egípcios. Organizado por Moisés, ele também serviu, como é recorrente nos censos bíblicos, para a coleta de impostos. Desse levantamento, ficou constatada a existência de 603.550 homens de idade igual ou superior a 20 anos.
Um ano depois dessa contagem, o Senhor ordenou a realização de uma recontagem (Números 1,2-9). O resultado foi exatamente 603.550 homens. Isso, segundo matemáticos condescendentes, significa que Moisés trabalhou com estimativas e não com contagens efetivas.

No Segundo Livro de Samuel (24,1-25) temos que o rei Davi foi “induzido”, talvez por Satanás, a realizar o censo de Israel e Judá.
Esse empreendimento, por razões obscuras, teve, como veremos, consequências funestas. Resultado desse censo, em termos de guerreiros: 800.000 em Israel e 500.000 em Judá, totalizando 1.300.000 guerreiros. No Primeiro Livro das Crônicas (21,1-30) o total fornecido para esse mesmo censo é de 1.570.000. Como vemos, uma razoável discrepância entre os resultados obtidos.
O fato é que Davi, acometido de inexplicável remorso por ordenar aquele censo (teria sido uma falta de bom senso?), pede perdão ao Senhor. Para expiar seu pecado, foi obrigado a escolher uma das três seguintes opções oferecidas por Deus: três anos de penúria, três meses de derrota e mortes diante de inimigos ou três dias de pestilência.
Davi escolheu a última opção e a consequência foi a morte de 70.000 pessoas. Ninguém até hoje conseguiu uma explicação definitiva com base teológica sobre essa história, que ficou consagrada como “o pecado do rei Davi”. Entretanto, até o século XVI, o tal pecado do rei Davi deu muita confusão em países cristãos.
Muitas comunidades não queriam nem ouvir falar em recenseamento e ninguém queria ser responsável pela sua execução. É bem verdade que muitas das resistências aos censos ocorriam não somente por razões religiosas, mas também porque incógnitos não pagam impostos.
Por falar em impostos, Salomão, filho do rei Davi, morreu com mais de 70 anos (possivelmente aos 72), talvez sem nada dever ao “leão”, tal era o número de seus dependentes. Ele, sim, é que era o leão. Consta que teria se casado com 700 princesas e tido 300 concubinas. O homem era um “viagrático”.
Diz a lenda que morreu em pé. Ele, o Salomão. E só após muito tempo foi ao chão porque a bengala com a qual se apoiava desintegrou. Pois é, sem censo algum, não se sabe por quantos bilhões de devoradores de madeiras, mas deu cupim na bengala do Salomão.

 

Adalberto Nascimento
(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.
Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

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