Quando criança, eu possuía uma razoável coleção de cartelas do sabonete Eucalol. Suponho que a velha guarda se lembre com saudades desta época. Em cada caixinha do sabonete vinha uma estampa Eucalol do tamanho de uma carta de baralho.
De 1930 a 1957 foram emitidas 2.400 tipos de estampas abordando 54 temas: Bandeiras, História do Brasil, Lendas Brasileiras, Histórias Infantis, Curiosidades etc. O verso de cada estampa continha um resumo sobre a imagem do anverso. Pra mim, era como se fosse um “National Geographic” daquele tempo.
As pirâmides do Egito e o túmulo de Taj Mahal, associados com o aroma de eucalipto característico do sabonete, nunca me saíram da memória. Hoje, pela Internet, é possível comprar coleções daquelas estampas, mas nunca terá o aroma da minha coleção.
Essa e outras coleções que eu tinha – jogos de botões, bolinhas de gude, peões, peças de jogos de damas e xadrez etc. –, foram consumidas pelo tempo, mas não sumiram da memória, que ainda guarda até o cheiro de muitas daquelas coisas.
O sabonete Eucalol, que patrocinava o famoso programa “Balança, mas não cai”, da Rádio Nacional, trouxe-me à lembrança outro sabonete daquele tempo e que era meio rosado: o Lifebuoy – um verdadeiro tijolo que, se caísse no pé, poderia até fraturar um dedo.
Da minha infância dois fatos marcantes têm a ver com sabão. O primeiro é angustiante. Era quando a carrocinha ia pegar os cachorros vadios do nosso bairro.
Eu torcia para que eles não fossem presos, mas os caras eram exímios laçadores e colocavam os coitados num engradado. Todos com aquela carinha de tristeza – a dos cachorros, é claro –, uma característica canina. O pessoal dizia: “Vão virar sabão”. Eu ficava conjecturando sobre como isso poderia ser feito.
Outro fato refere-se a um senhor muito educado (russo ou ucraniano) que vendia os sabões que fabricava visitando clientes com uma singela bicicleta, na qual havia um bagageiro improvisado.
Era o pai do Sérgio, um amigo de infância, muito inteligente, com quem eu batia longos papos na esquina da Rua Hermelino Matarazzo com a Rua Joaquim Nabuco. Aliás, boa parte das minhas molecagens ocorreu nessa rua, ao longo da qual morava a maioria dos meus amigos de infância.
Os vestígios mais antigos da produção de materiais semelhantes ao sabão datam de cerca de 2800 a.C. na antiga Mongólia. Já os antigos egípcios se banhavam regularmente e combinavam óleos animais e vegetais com sais alcalinos para criar uma substância semelhante ao sabão.
De minhas leituras, fiquei sabendo de uma lenda romana sobre como teria surgido o sabão. Conta-se que animais eram sacrificados num tal Monte Sapo, situado próximo ao Rio Tibre.
As gorduras desses animais misturavam-se com as cinzas das fogueiras usadas nos sacrifícios. Quando chovia, os resíduos desciam monte abaixo e, como um vapor espumoso, eram carreados para o Rio Tibre. Acabavam sendo úteis para as lavadeiras, que trabalhavam a jusante daquele local do rio.
Por causa do nome daquele monte, as reações envolvidas – decomposição de triglicerídeo em ácidos graxos e glicerol por um álcali ou base (hidróxido de potássio ou hidroxina de sódio) – é chamada de “saponificação”. Os sabões de potássio são moles e os de sódio são duros.
A utilização de óleos vegetais corroborou com a decadência da antiga Grécia. Para exportar o óleo de oliva, os gregos abandonaram o cultivo de cereais, dedicando-se à monocultura da oliveira, com sérias consequências: erosão da terra, eliminação do gado e escassez de alimentos. Atualmente, a Grécia também está em situação econômica dramática.
No século XVII, o banho estava fora de moda porque era considerado perigoso e pecaminoso. Empregava-se o sabão para lavar utensílios domésticos, pisos e balcões. Talvez lavassem as mãos e o rosto, embora não se saiba ao certo. O que se reprovava era a nudez durante o banho.
No final do século XVIII, o químico francês Nicolas Leblanc descobriu um método barato de produzir carbonato de sódio a partir do sal comum. A mistura com aromatizantes produziu o sabonete. Essa palavra deve ser oriunda de um diminutivo em francês para sabão. Paradoxalmente, muitos europeus, talvez por causa do frio, não têm afinidades com banho e sabonetes.
Hoje, mesmo com a nudez aceita, os sabonetes estão cada vez menores (uma forma malandra de encarecê-los). Não demorará muito, serão vendidos como comprimidos para uso individualizado para cada parte do corpo. Poderemos, por exemplo, ter o comprimido Sovacol.
Deixaremos ao leitor o prazer de nominar comprimidos para outras partes…
Adalberto Nascimento
Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), é pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.
É escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço