Num leilão, é a terceira martelada que vale. Assim, por exemplo, são sacramentadas compras de quadros de pintores famosos. Por bilionários, é claro.
Para se fazer e desfazer feitiços, em geral, é necessário que se repita algo três vezes. E quem já não presenciou pessoas supersticiosas darem três batidas numa madeira?
Volta e meia, nos contos de fada, alguém tem a chance de fazer três pedidos. Por falar nisso, lembrei-me de uma piadinha na qual um gênio propicia a oportunidade de um mineiro fazer três pedidos. Meio desconfiado, o mineiro solicita dois pães de queijo e uma mulher bem bonita. O gênio, meio atordoado, questiona: “Dois pães de queijo?”. E o solicitante, com aquele jeito mineirinho: “É qu’eu tive vergonha de pidi treis, uai!”.
A minha intenção, além dessas referências, é ressaltar a significância do número três para a humanidade. Como veremos, ela vai muito além de leilões, manias e piadinhas.
Na sua “infância”, a humanidade contava “um”, “dois” e “muitos”. Isso fica evidenciado na palavra “três”, que na sua origem, quer dizer “muitos”.
Esse caráter primitivo do três fez com que ele fosse adotado para “muitas” representações em diversas culturas e integrasse o simbolismo de religiões, seitas e associações. Vejamos alguns exemplos.
No Cristianismo, temos a Santíssima Trindade; no panteão grego, temos os irmãos Zeus, Posêidon e Hades; no Egito, temos os venerados Osíris, Ísis e Horus; na Índia, temos Brahma, Vishnu e Shiva. Em diversas outras culturas, temos também muitos trios. No Paraguai, por exemplo, é enorme a quantidade de trios – “cantantes, por supuesto”.
O “Olho da Providência” ou o “O Olho que Tudo Vê” é geralmente representado dentro de um triângulo equilátero (três lados iguais). Trata-se do Delta Sagrado, integrante da simbologia maçônica, também chamado de Delta Luminoso. O nome Delta decorre do fato de a quarta letra do alfabeto grego, chamada delta, ser representada por um triângulo.
Delta também é o símbolo do “discriminante” (com três possibilidades – positivo, negativo e nulo) integrante do algoritmo utilizado na solução de equações do segundo grau, conforme a fórmula de Bhaskara (1114-1185), matemático e astrônomo hindu.
Na antiguidade grega, existiu o culto à Deusa Tríplice da Lua, que personificava três fases lunares: crescente, cheia e minguante. Esses três aspectos eram chamados pelos gregos de Hebe, Hera e Hécate. O dia da festa de Hécate, 15 de agosto, foi cristianizado e transformado em Dia da Assunção de Maria.
Também da mitologia grega, Quimera – uma criatura oriunda da Anatólia (Turquia) formada por partes de três animais (leão, cabra e serpente) – era um ser considerado sagrado no tempo do matriarcado.
Com o advento do patriarcado (será que o matriarcado foi extinto?), esse monstrengo passou a ser a representação do mal e do perigo e, por isso, foi morto por Belerofonte, herói grego que mais tarde serviu de modelo para as características e os feitos de São Jorge (seria de Corinto aquele grego?).
Na Bíblia, os sábios vindos do Oriente para ver o Menino Jesus não são quantificados. Com o decorrer do tempo, passou-se a falar que eram três – os Três Reis Magos –, o que ficou reforçado num tratado elaborado por São Beda (673-735). Para ele, Melquior partiu de Ur, terra dos Caldeus; Gaspar, de uma distante região montanhosa, perto do Mar Cáspio; e Baltasar, que era um mouro negro, do Golfo Pérsico.
Para os antigos chineses, o três era o símbolo da “totalidade dinâmica”. No livro de sabedoria antiga, Tao-Te-King, o Tao gerou o um; o um gerou dois; o dois gerou três e o três gerou “dez mil coisas” – uma forma poética de dizer “muitas coisas a mais” (made in China, é claro).
E, para finalizar, disse o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804): “Os céus deram aos homens três coisas para compensar as dificuldades da vida: a esperança, o sono e o sorriso”.
Dorminhocos e sorridentes já somos. Resta-nos a esperança de que este país deixe de ser injusto e violento.
Adalberto Nascimento
Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), é pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.
É escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço