Esoterismo com números

Sempre curti várias manias, mas uma ficou exacerbada ultimamente. Trata-se de uma brincadeira que gosto de fazer com crianças de mais ou menos três anos de idade.

Inicialmente, pergunto se sabem contar até dez. Muitas, como papagainhos, contam exibindo um olhar deliciosamente infantil diante de orgulhosos sorrisos dos pais, mesmo que espantados pela minha pergunta. Esse assédio intelectual, depois da vinda do meu netinho, ficou mais frequente.

Depois da contagem feita por algum pimpolho, eu, de supetão, questiono: “E qual é a cor do número três?” Isso deixa alguns pais intrigados, com uma espécie de desconforto e olhares inquisitórios sobre qual seria o meu objetivo com aquela insólita questão. O desconforto torna-se mais acentuado por eu portar cara de bravo, meio que de alemão ranzinza.

Muitas vezes, pequeninos inquiridos reviram os olhinhos e citam uma dada cor. Provavelmente associando com três brinquedinhos idênticos e, com aquele olhar inocente, respondem, por exemplo, em tom meio elevado: “Vermelho!”.

Crianças que reagem desse jeito ainda não adquiriram a noção abstrata de que “três” simboliza atributo comum a todos os conjuntos com três elementos.

Da Antiguidade, temos uma frase atribuída a Pitágoras: “o número é a essência de todas as coisas”, ratificando para os esotéricos um significado também qualitativo aos números. Na Idade Média, os números eram considerados pensamentos divinos que levavam ao conhecimento do universo.

Uma história chinesa ilustra a importância de valores qualitativos dados aos números pela humanidade. Conta-se que, numa época bastante remota, onze generais chineses discutiram longamente para decidir se deviam ou não invadir uma dada região inimiga. Depois de muito papo complicado, os generais partiram para a votação.

Resultado: oito generais votaram pela não invasão e três pela invasão. Surpreendentemente, eles partiram para a invasão, porque 3 era considerado “o número da unidade”. Não sabemos se aquele exército chinês foi vencedor. Deve ter sido. Prova disso é a quantidade atual de chineses vencendo em quase tudo.

O suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), fundador da Psicologia Analítica, defende que essa espécie de simbologia numérica não é uma coisa “inventada” e, sim, que faz parte dos arquétipos do nosso inconsciente. Para quem tiver interesse sobre esse assunto, recomendo a leitura de um interessante livro desse estudioso: “O Homem e seus Símbolos” (li, pela primeira vez, “hace mucho tiempo”, uma edição em espanhol).

Jung também enfatiza a relevância dos números de um só algarismo na interpretação de sonhos. Se o número for de mais algarismos, ele deve ser reduzido a um único através de somas sucessivas de seus dígitos. Dessa forma, por exemplo, o 37 vira 1 (3+7=10; e 1+0=1).

Teríamos muito a dizer sobre o que podemos chamar de esoterismo com números. Como o espaço é limitado, discorreremos, de forma aleatória, neste e, se possível, em artigos futuros, sobre esse assunto, começando pelo número 3. O 3, para os esotéricos, é considerado um número divino e símbolo da força vital. Isso porque o 1 e o 2 simbolizam a polaridade primordial masculina e feminina, e o 3 surge como a unificação dessas duas entidades. Ou seja, todos nós, de forma intrínseca, não seríamos também um 3?

Além disso, o 3 tem significado importante em religiões e seitas. No catolicismo, temos a Santíssima Trindade. No panteão grego, encontramos os três irmãos que dominam a Terra e as pessoas: Zeus, Posêidon e Hades.

Do Egito, temos Ísis, Osíris e Hórus. Dos hindus, temos os deuses Brahma, Vishnu e Shiva. Em muitas seitas e fraternidades, o olho de Deus é representado dentro de um triângulo equilátero.

Abrindo um parêntese: tenho dois grandes amigos cujos nomes são Osires e Horus. O primeiro do tempo do colegial; o segundo, do tempo de faculdade e, como eu, ex-morador da Casa do Politécnico. Para mim, eles são como deuses da amizade. Amigos leais e sinceros, daqueles para os quais vale a frase: “não importa o que você tem na vida, mas quem você tem na vida”.

O Osires, médico, está com problemas de saúde. Torço cordifraternalmente pela sua total recuperação. O Horus, engenheiro, felizmente ainda esbanja inteligência em trabalhos úteis para o nosso país. Faltou a Ísis…

Voltando ao três. Na Antiguidade havia o culto da Deusa Tríplice da Lua, correspondendo às três fases: crescente, cheia e minguante, simbolizando o nascimento, a vida e a morte.

Os gregos chamavam esses três aspectos de Hebe, Hera e Hécate. A festa de Hécate era em 15 de agosto, que acabou sendo cristianizado como o dia da Assunção de Maria, simbolizando virgem, mãe e rainha. Essas coisas sobre o três, como dizem os gaúchos, não são trilegais?

 

Adalberto Nascimento

(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

 

Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.

Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras, colaborava semanalmente com este site nos espaços Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal

[Artigo publicado originalmente pelo Jornal Cruzeiro do Sul em 19 de agosto de 2012] 

[Arte: JoshSummana on Devianart]

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