Meio a Zero

Coluna do Dal

Meio a Zero

Lima Barreto, um dos mestres da nossa literatura, não gostava de futebol. Via esse esporte como coisa de vagabundos. Num dos seus contos, ele se refere ao personagem Cazuza como “player dos pontapés”. É um conto de 1925 e o escritor, meio xenófobo, não se deixou contaminar pelo que acabou se tornando uma paixão nacional. E isso provavelmente aconteceu até pela simplicidade dos requisitos necessários para sua prática: espaço, bola e traves.

Dizem que essa história de chutar elementos esféricos é muito antiga. Os chineses, por volta do ano 3000 a.C., usavam crânios de inimigos em jogos nos quais os times tinham oito elementos de cada lado. O oito é considerado número de sorte pelos chineses. Na China, os jogos olímpicos tiveram início no dia 8/8/2008.

Depois de um tempo, na China, as cabeças foram substituídas por bolas de couro revestidas com cabelos, simulacros de cabeças. No Japão as bolas eram de fibras de bambu e o contato físico entre os jogadores (também oito de cada lado) era proibido.

Em Atenas, no início desse esporte, cada time tinha nove jogadores Depois, em Esparta, cada equipe passou a contar com quinze jogadores e as bolas eram feitas de bexigas de bois cheias de areia. Na Idade Média os times começaram a contar com vinte e sete jogadores de cada lado. E a violência campeava: valiam socos, pontapés, rasteiras. Hoje, incluindo tiros, virou uma prática das famigeradas torcidas, ditas organizadas.

Na Itália Medieval surgiu o “gioco del calcio” (jogo do chute) que, também com vinte e sete jogadores de cada lado, era praticado com muita violência. Até hoje, na Itália, futebol é “calcio”. No século XVII o tal “calcio” foi parar na Inglaterra e lá acabou sendo organizado e sistematizado. As primeiras regras foram estabelecidas numa conferência em Cambridge, em 1848. Daí os nossos impostados locutores de outrora se referirem ao futebol como “esporte bretão”. Os “players” mais antigos devem, além disso, se lembrar do locutor Fiori Gigliotti e dos seus inesquecíveis bordões: “abrem-se as cortinas do espetáculo” e “crepúsculo de partida”.

Como curiosidade: somente em 1907 foi estabelecida a lei do impedimento. E como era difícil explicar essa regra para as mulheres do nosso tempo!

Em nosso país ocorreu a tentativa de denominar “ludopédio” o tal de “football”, termo que, evidentemente, não pegou. Ficou futebol mesmo. Somos pentacampeões mundiais e o nosso anedotário é riquíssimo em histórias sobre esse esporte.

E dentre tantas histórias que nos lega o futebol, vou contar uma que serve de título a este artigo. Contaram-me dois senhores (Humberto e Coraci) de Araçoiaba da Serra que lá, e há muito tempo, uma partida de futebol terminou com um resultado inusitado.

No final de um jogo sem gol, um pênalti no último minuto. O batedor era portador de um chute potentíssimo. E tal chute, numa bola toda estropiada, fez que com que a câmara entrasse no gol e o “capotão” espirrasse pela linha de fundo. Depois de muita confusão, o juiz validou o gol, mas, face às peculiaridades do evento, com o seguinte resultado registrado na súmula: meio a zero.

 

Adalberto Nascimento
(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.
Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

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