O Tamanho do Inferno

Coluna do Dal

O Tamanho do Inferno

Florença é a capital da região da Toscana, na Itália. Nessa cidade, berço do Renascimento italiano, nasceu Dante Alighieri (1265-1321), escritor, poeta e político, autor de “A Divina Comédia”. Esta obra, um poema épico com propósitos filosóficos, foi escrita no dialeto toscano, língua matriz do italiano atual.
A “Comedia” foi dividida em três partes: “Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”. Falaremos, por ser um assunto mais quente, um pouco sobre o inferno de Dante. Para ele, o inferno era composto de nove “círculos” (Dante, em sua obra, usa intensivamente quantidades triplas e múltiplas de três). O inferno propriamente dito começa no segundo circulo.
O primeiro é o “limbo”, onde Dante colocou, entre outras personalidades, os filósofos Platão e Sócrates. Os círculos infernais eram destinados a pecadores específicos. Resumindo: o segundo círculo era para os luxuriosos; o terceiro para os gulosos; o quarto para os avarentos; o quinto para os iracundos, insolentes e soberbos; o sexto para os hereges; o sétimo para os homossexuais e agiotas; o oitavo para os grandes pecadores.
Quem ia pro nono, então entrava numa fria. Não havia fogo. Um frio infernal, destinado aos traidores, entre os quais Judas e Brutus, que são devorados por Lúcifer – morador do nono e, evidentemente, um cara de sangue frio. O leitor poderá, numa espécie de exercício diabólico, imaginar uma correspondência entre os círculos de Dante e pessoas pertencentes ou não ao seu “círculo de amigos”.
É obvio que muitos colocarão os gaúchos no sétimo. Por causa da agiotagem, é claro. Dante, quando escreveu “Inferno”, entre 1.304 e 1308, jamais poderia imaginar que, em 2007, o Vaticano decretaria o fim do limbo. Antes, o limbo (palavra para “borda” ou “limite”, proveniente do latim), era destinado às crianças que morriam antes de serem batizadas ou às pessoas que viveram antes do surgimento da igreja católica. Que coisa, não? Vamos, pois, torcer por novos decretos.
Todavia, como não poderia deixar de ser, temos em nosso país uma quantidade enorme de pessoas que, ignorando o decreto do papa Bento XVI, continua vivendo no limbo. Mas não o fazem por vontade própria. Refiro-me aos inúmeros contingentes de funcionários públicos que vivem no ostracismo. Quando muda o governante, eles ficam sem função, em meio a carimbos inúteis, esperando a hora de bater o ponto. Muita gente capaz é colocada nessa situação, num limbo existencial, só para exercer a profissão de estar ali, como diria Fernando Pessoa.
Voltemos ao outro inferno, o de Dante. Por causa da obra do eminente toscano, um marco na literatura mundial, a Academia de Florença, durante os anos 1580, foi palco de discussões sobre um assunto que hoje achamos insólito, mas que era considerado de extrema importância para os intelectuais e pensadores daquela época. A grande questão era: qual seria o tamanho do inferno descrito por Dante? Mais precisamente, quais seriam o formato e a localização daquele inferno? O leitor, por acaso, tem alguma idéia a respeito? Pois é, esse foi e é um assunto obscuro. E quente. Frio, como foi dito, só no nono.
Para os portugueses do século XVIII o inferno era aqui. No período colonial, desde quando o ouro foi descoberto em nosso país, 20% (um quinto) do que era extraído era enviado periodicamente a Portugal, como um imposto. Assim, ao avistarem chegando a Lisboa um navio carregado de ouro proveniente do Brasil e por acharem nosso país o fim do mundo, os lisboetas diziam: “Lá vem a nau dos quintos do inferno” (com sotaque lusitano, é obvio). Ou seja, os portugueses de então foram premonitórios em relação ao que acabaria virando este país.
E, como sabemos, muitos navios carregados de ouro chegaram a Portugal. Nossos colonizadores levaram muita riqueza daqui, e poderiam ter levado muito mais, não fossem os desvios de quantidades consideráveis do metal. Uma das formas de desvio que o pessoal utilizava era colocá-lo dentro de estátuas de santos. E por isso que se diz “santo do pau oco”.
Voltemos agora ao século XVI e à Itália: o presidente da Academia de Florença resolveu pedir explicação sobre o inferno a um filósofo natural (assim eram chamados os atuais físicos). E ninguém menos que o genial Galileu Galilei fez uma palestra sobre esse assunto demoníaco.
Baseando-se numa obra do matemático Antonio Manetti, que viveu um século antes do físico, e nas descrições da própria obra de Dante, Galileu concluiu, apenas para satisfazer os acadêmicos, que Lúcifer tinha cerca de 1.800 metros de altura. Isso mesmo: 1,8km de altura (hoje, com certeza, seria contratado por alguma equipe da NBA). E mais, explicou Galileu, o inferno era um espaço cônico, com cerca de 1/12 da massa da Terra e com o vórtice no centro do planeta. Como seria esse “cone dantesco”? Será que sua base não tangencia o Brasil, osculando-nos?

(*06/06/1946 | ➕01/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, Adalberto Nascimento atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.
Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Professor Dal”.

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