Odisseia primordial

Aristóteles (348-322 a.C.), considerado o criador do pensamento lógico, foi o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental. Esse grego acreditava que se as mulheres, depois de fazerem sexo, ficassem deitadas sobre o lado direito, gerariam homens. Se ficassem do lado esquerdo, conceberiam mulheres. Essas disposições seriam formas de a gravidade atuar na gravidez. Assim, podemos considerar esse método aristotélico de indução para determinação do sexo.
Por outro lado e ainda nos dias atuais, as “comadres” têm muitos métodos de dedução sobre a gravidez. Muitas valem-se do método da forma da barriga. Barriga de grávida arredondada é sinal de macho. Barriga afunilada leva jeito de fêmea. Em geral, coisas desse gênero são ditas com olhares premonitórios inquestionáveis de coroas para eventos do tipo “cara ou coroa”. Como nesses casos a porcentagem de acerto é alta (50%), esses papos continuam e continuarão apoquentando as pobres gestantes. Não obstante, a ultrassonografia moderna resolve, com praticamente 100% de acerto, essa questão. Questão que tem início através de uma primeira odisseia sobre a qual falaremos de forma sucinta, apenas enfatizando aspectos julgados significativos e decorrentes de leituras de alguém que é leigo no assunto. É, na verdade, um pouquinho da história que todos nós temos em comum.
Quando, na relação sexual, o plasma seminal (esperma) é ejetado, ele leva consigo cerca de 200 a 400 milhões de espermatozoides. Estes medem cerca de 60 micrômetros. Isso é quase nada. Para melhor aquilatarmos essa dimensão, imaginem um milímetro dividido em mil partes. Cada uma dessas partezinhas é um micrômetro. Sessenta delas perfazem o tamanho aproximado de um espermatozoide.
Esses individuozinhos têm as cabecinhas achatadas como se fossem minipranchas de surfe e são providos de caudas que possibilitam a locomoção em meio viscoso. Com essa anatomia, eles têm de nadar, as vezes de forma sincronizada, rumo ao objetivo — óvulo –, por uma distância que para nós equivaleria a 1.500 metros. E com barreiras.
O primeiro obstáculo que um espermatozoide tem de enfrentar é o próprio plasma seminal que o ejetou. Se ele não se livrar daquela gosma em cerca de 20 minutos, babau. Saindo daquela geleia, os mais sortudos têm de enfrentar outra barreira — a coluna de muco que enche o colo do útero.
Espermatozoides humanos rápidos levam de 10 a 15 minutos para nadar pelo colo do útero. Alguns, entretanto, tal qual motoqueiros alucinados, fazem isso bem mais depressa, em torno de uns dois minutos. Todavia, chegam perto do destino sem as mudanças químicas necessárias que lhes permitam penetrar e fertilizar o óvulo. Como dopados, morrem na praia, sem adentrar a ilha. Nunca imaginei que isso acontecesse. A televisão, embora ávida por catástrofes e insucessos, nunca mostrou isso. Pelo menos eu nunca vi. Só lendo e aprendendo.
Depois de muitos malabarismos e muito jogo de cintura, os espermatozoides que chegam ao útero ainda têm de enfrentar as células brancas do sistema imunológico da mulher. Lá, são impiedosamente tratados como estranhos no ninho e, como consequência, apenas um número bem reduzido continua na competição. Dos milhões de espermatozoides originais, só restam umas poucas centenas. São os mais capacitados que superaram as barreiras eliminatórias, seguindo os ditames de uma cartilha darwiniana. E a disputa ainda continua. Finalmente, o espermatozoide que vai dar batida de chegada encontra o óvulo envolto numa camada de gelatina que precisa ser rompida. Para tanto, torna-se necessário um processo complicado, que envolve ações enzimáticas, bioquímicas e mudanças estruturais. Na chegada, o espermatozoide mais bem colocado acaba por ter de usar a cauda em movimentos assimétricos para, com a cabeça, como a de um centroavante, romper aquela barreira. Em seguida, ele deve achar uma falha (espaço perivitelino) na qual a membrana que o envolve entra em contato com a membrana que circunda o óvulo. Então as duas membranas se fundem e ele é engolfado pelo óvulo. Como um cavaleiro medieval, o espermatozoide fecha o castelo conquistado, liberando um jorro de calcio para selar a membrana do óvulo e, dessa forma, impedir acesso ao que seria o medalha de prata.
E tudo isso acontece de forma aleatória, uma vez que a chance de um dado espermatozoide ser o vencedor é mais ou menos a mesma de se ganhar na mega sena. Todavia, para ele o prêmio é incalculável — o início da formação de uma vida. Nicolas é uma adorável consolidação desse prêmio. Fruto do Alê (meu genro) com a Pri (minha primogênita), esse primeiro netinho é, desde 13 de novembro de 2009, a mais nova estrela do meu céu interior. Do nosso, né vó Angela?

⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, Adalberto Nascimento atuou como engenheiro, consultor e professor universitário. Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96). Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

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