Coluna do Dal

Pitagóricos

Boa parte das pessoas do meu tempo ainda se lembra do famoso teorema de Pitágoras. Se não se lembram do teorema propriamente dito, sabem da sua existência. Ele é algo relativamente simples e ao mesmo tempo místico. A começar por Pitágoras, que, segundo muitos historiadores, foi um grego cheio de esquisitices. Uma delas era o fato de ele não comer feijão por achar que os gases levavam junto parte da alma do flatulento.

Recordemos o enunciado do teorema: em qualquer triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Abrindo um parêntese: na Internet, especificamente na página http://www.cut-the-knot.org/pythagoras/index.shtml, encontramos 93 formas de demonstrar esse teorema. Uma verdadeira curtição para os aficionados em matemática. Fechemos agora o parêntese e voltemos ao teorema. A palavra cateto vem do grego “kathetos” e significa “que cai na perpendicular”. Hipotenusa, também do grego “hypoteínusa”, significa “esticado contra”. O leitor talvez considere mais fácil o teorema do que esse papo grego. Mas vamos lá. O entendimento do significado dos termos matemáticos torna essa disciplina mais atraente. Aliás, isso vale para os termos de qualquer disciplina.

Vejamos o porquê daqueles significados. Os egípcios, para obter ângulos retos nas suas edificações, usavam uma corda dividida em 12 partes iguais demarcadas com nós, com os trechos de 3, 4 e 5 partes diferenciados com nós um pouco maiores nas extremidades. Para, por exemplo, obter uma perpendicular, eles mantinham o trecho de quatro partes (um cateto) fixo e levantavam o trecho de três partes (outro cateto). Em seguida, eles esticavam o de cinco (a hipotenusa) e moviam o trecho levantado até as pontas encontrarem-se, configurando, assim, um ângulo reto entre os catetos. Essa era, digamos, uma forma egípcia de esquadrejar as coisas. Valiam-se dessa técnica usando uma aplicação do primeiro triângulo retângulo pitagórico.

Em sala de aula, um professor, para tornar a matemática menos abstrata, poderá demonstrar isso com um simples arame de 12 centímetros, demarcado nas posições a serem dobradas. Mais sofisticadamente, a experiência poderá ser feita com uma espécie de régua provida de articulações nas posições convenientes para reproduzir o primeiro triângulo pitagórico. Para relembrar, triângulos pitagóricos são aqueles que obedecem ao teorema de Pitágoras com números inteiros. Foi o caso exposto, com os lados 3, 4 e 5 (três ao quadrado mais quatro ao quadrado é igual a cinco ao quadrado).

Do ponto de vista místico, o triângulo retângulo pitagórico de lados 3, 4 e 5 é a base do “calendário dos jubileus”, uma tradição judaica. A soma dos dois primeiros lados totaliza 7, equivalente, portanto, aos sete dias da semana. A soma dos três lados dá 12, ou seja, o número de meses do ano. E a soma dos quadrados dos lados dá 50. Para Filon da Alexandria, filósofo greco-judaico do século I, o 50 era o mais santo dos números – “princípio da geração do universo”. Filon foi o primeiro pensador a tentar conciliar o conteúdo bíblico à tradição filosófica ocidental.

De acordo com a Lei de Moisés, de cinquenta em cinquenta anos ocorria o “Ano do Jubileu”, consagrado a Deus. Durante esse ano, os trabalhos dos campos eram suspensos e os escravos libertados; as terras griladas eram devolvidas aos seus legítimos proprietários e as dívidas perdoadas.

Certamente, essa história de perdoar dívidas, se é que aconteceu, ocorreu no tempo de Moisés. Tudo era bem mais simples e em geral as coisas eram resolvidas com cabras e camelos. Hoje em dia, com a ganância reinante, ninguém perdoa dívida de ninguém, mormente esses bancos que vivem cobrando juros agiotas de velhinhos aposentados que caem na armadilha do tal empréstimo consignado. Bancos desalmados. Não seriam, por isso, flatulentos? Outro dia, ligou-me uma “consultora bancária” oferecendo-me, como se fosse um presente, o tal empréstimo. Presente de grego, é claro. Mas certamente não do Pitágoras.

(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, Adalberto Nascimento atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.
Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

 

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