Descartes foi muito combatido depois da publicação de seus conceitos filosóficos Descartes, o grande filósofo e matemático francês, escreveu algumas de suas obras de forma codificada. Temendo a Inquisição, ele manteve muita coisa em segredo. Alguns autores acreditam que ele também procedia dessa forma por pertencer à Fraternidade Rosa-Cruz.
A gênese dessa sociedade é o alemão Christian Rosenkreuz (traduzido como Rosa-Cruz, em português). Conta-se que, aos cinco anos, ele foi internado num mosteiro, onde aprendeu latim e grego. Aos dezesseis, abandonou os estudos e, por uns cinco anos, perambulou pela Europa, acompanhando um grupo de mágicos. Depois, para adquirir novos conhecimentos, viajou sozinho por vários paises (Turquia, Arábia, Marrocos, Espanha, entre outros).
Após alguns anos de viagens e muito aprendizado, foi morar em definitivo na Alemanha, onde se dedicou pelo resto da vida a estudos solitários. Queria reformar o mundo e deixar seus conhecimentos a um grupo seleto de estudiosos. Morreu em 1484, aos 106 anos.
Muito tempo depois, em 1604, quatro estudiosos encontraram o túmulo de Rosenkreuz numa caverna – 120 anos após seu sepultamento. Naquele local havia uma série de objetos enigmáticos. E, o mais surpreendente, um dos objetos continha uma inscrição em latim, que dizia: “Após seis vintenas de anos, serei encontrado”.
Tomando isso como um “sinal” e baseando-se nos escritos encontrados, os quatro amigos fundaram uma sociedade secreta denominada Rosa-Cruz. Desenvolveram um código e definiram como missão da irmandade a divulgação de conhecimentos para a retificação de erros da ciência e da sociedade. Era uma fraternidade tão secreta que alguns autores acham que quase tudo sobre ela é puro mito.
Entretanto, o intenso relacionamento intelectual que Descartes teve com o místico e matemático alemão Johann Faulhaber, considerado um “rosacrucianista”, faz supor que o francês também tenha sido membro da Rosa-Cruz.
Descartes, embora católico, gostava de passar longos períodos na Holanda, país de maioria protestante. Na verdade, ele gostava era de viajar. Herdeiro de uma considerável fortuna, nunca precisou trabalhar e sempre teve um camareiro à sua disposição. Gostava de dormir até tarde e de ler na cama. Mas era um gênio.
Todavia, mesmo para os bem-aquinhoados, a tranqüilidade não é perene. Descartes foi muito combatido depois da publicação de seus conceitos filosóficos. Isso corroborou para que ele fosse à gélida Suécia para, atendendo a um convite, dar aulas à rainha Cristina.
Chegou em Estocolmo no dia primeiro de setembro de 1649 e morreu no dia 11 de fevereiro de 1650. Oficialmente de pneumonia, mas cogitou-se que fora envenenado por protestantes que temiam que ele influenciasse a conversão da rainha ao catolicismo, o que efetivamente acabou acontecendo algum tempo depois.
Os pertences do francês, incluindo escritos inéditos, foram enviados para um cunhado seu que vivia em Paris. Ao saber disso, ninguém menos que Leibniz, o genial alemão, foi para lá. Depois de várias tentativas, recebeu autorização para fazer uma cópia de um caderno secreto de Descartes, o “De solidorum elementis”, escrito de forma codificada.
Somente em 1987, o matemático francês Pierre Costabel decifrou a cópia feita por Leibniz. E, pelas anotações nas margens da cópia, concluiu que Leibniz (outro “rosacrucianista”) havia também decifrado uma fórmula secreta de Descartes. Hoje essa fórmula é conhecida como “fórmula de Euler”, deduzida pelo portentoso matemático suíço por volta de 1730.
Para melhor entendimento da tal fórmula, sugiro ao leitor que imagine um cubo e uma pirâmide. Um cubo tem 6 faces, 8 vértices e 12 arestas. O cubo é um poliedro regular – tem todas as faces iguais. Uma pirâmide tem 5 faces, 5 vértices e 8 arestas. A pirâmide não é um poliedro regular: tem uma face quadrada (a base) e quatro triangulares.
Façamos, para os dois casos, a seguinte operação: F+V-A (somar o número de faces com o número de vértices, e, em seguida subtrair o número de arestas). Para o cubo teremos: 6+8-12=2. Para a pirâmide, teremos: 5+5-8=2. Ou seja, F+V-A=2, a tal fórmula secreta de Descartes. Essa fórmula é aplicável a todos os poliedros convexos – regulares e irregulares.
Os poliedros regulares são apenas cinco: o tetraedro, semelhante a uma pirâmide, com quatro faces triangulares; o cubo (hexaedro), com seis faces quadradas; o dodecaedro, com doze faces pentagonais; e o icosaedro, com vinte faces triangulares.
Esses poliedros são também chamados de sólidos platônicos. Foi neles que Kepler se baseou para estabelecer o seu modelo cosmológico. E, surpreendentemente, estudos relativamente recentes, realizados pela Nasa, concluíram que determinados fenômenos só se tornam explicáveis supondo a geometria em grande escala do Universo baseada em alguns dos sólidos platônicos.
Segredos deste mundo – muito pouco cartesiano
Adalberto Nascimento
(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)
Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.
Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras, colaborava semanalmente com este site nos espaços Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal
[Artigo publicado originalmente pelo Jornal Cruzeiro do Sul em 15 de agosto de 2009]