No planejamento urbano, na execução de obras públicas e na formulação de políticas para o desenvolvimento das cidades, o trabalho de arquitetos e urbanistas dentro do serviço público é essencial ainda que, muitas vezes, pouco visível para a sociedade. Profissionais da arquitetura e urbanismo concursados atuam em órgãos e empresas estatais por todo o país, como secretarias de planejamento, habitação, autarquias e companhias públicas de urbanização.
A presença desses profissionais em cargos técnicos está diretamente ligada à melhoria da qualidade de vida urbana e à promoção de cidades mais inclusivas, seguras e sustentáveis. Esses profissionais são responsáveis por elaborar projetos, conduzir estudos técnicos, coordenar intervenções urbanas e garantir que políticas públicas respeitem critérios legais, ambientais e sociais.
Além de executores de obras, os arquitetos concursados ocupam um espaço estratégico no setor público: contribuem com conhecimento técnico qualificado para decisões que impactam diretamente a paisagem urbana e a vida da população. A trajetória do arquiteto Leonardo de Paula é exemplo disso.
Formado em 1982 pela Faculdade de Taubaté, dedicou toda a sua carreira ao serviço público, atuando em diferentes órgãos e empresas públicas em São Paulo e Minas Gerais. Atualmente, exerce o cargo de subsecretário de Planejamento Urbano de Juiz de Fora (MG), posição que ocupa a convite da prefeita Margarida Salomão na Secretaria de Desenvolvimento Urbano com Participação Popular (SEDUPP).
Entre suas contribuições mais recentes está a condução de um grande projeto de requalificação do centro histórico da cidade, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A proposta visa transformar a área central em um espaço voltado para as pessoas e não para os carros, utilizando soluções baseadas na natureza, como aumento da drenagem e reconfiguração de áreas públicas.
Desafios do serviço público
Leonardo de Paula defende que a presença de arquitetos e urbanistas na estrutura de Estado é imprescindível para garantir a continuidade e a qualidade das políticas públicas urbanas. Para ele, o quadro técnico deve ser estável, com boas condições de trabalho, salários adequados e autonomia.
No entanto, reconhece que o serviço público ainda apresenta desafios importantes, como a falta de estrutura, de valorização e de respeito às soluções técnicas propostas pelos profissionais. “Os desafios são muitos. Eles passam pela falta de estrutura, falta de uma remuneração adequada, falta de reconhecimento e, inclusive, de respeito às soluções que os arquitetos propõem. Muitos gestores tendem a personalizar sua permanência enquanto prefeitos e desconsideram ou impõem soluções, mesmo sendo leigos em relação à arquitetura e urbanismo. Nem sempre são as melhores escolhas do ponto de vista técnico ou do interesse da comunidade”, afirma.
As comparações entre a atuação pública e a privada são inevitáveis e, segundo o gestor, revelam contrastes profundos. Enquanto arquitetos da iniciativa privada podem ganhar notoriedade, reconhecimento e liberdade criativa, o profissional do setor público precisa lidar com a constante invisibilidade e com mudanças de gestão que, muitas vezes, desconsideram o trabalho técnico já desenvolvido. “Eu já fiz projetos sobre o mesmo tema três ou quatro vezes, porque cada gestor que entra quer imprimir sua marca. Isso é um desperdício de recursos públicos e dos talentos da estrutura administrativa”, aponta.
Outra grande diferença está na relação com os clientes e com os recursos disponíveis. Na iniciativa privada, o prestígio de grandes nomes muitas vezes garante carta branca para execução de projetos ambiciosos. Já no serviço público, o arquiteto responde à população e precisa conciliar qualidade com escassez orçamentária. “Ao longo da minha carreira, aprendi a duras penas a tentar fazer arquitetura e urbanismo com a maior qualidade possível, com recursos extremamente limitados. Isso é sempre um desafio para quem resolve seguir uma carreira de Estado”, relata.
Apesar das dificuldades, Leonardo de Paula acredita que o prazer de contribuir com a cidade deve prevalecer. “A gente não pode ficar esperando o melhor dos mundos para continuar o nosso trabalho. Com recursos escassos, sem estrutura ou com uma remuneração inadequada, a gente tem que insistir. Nosso interesse, nosso prazer de saber que estamos contribuindo para a comunidade tem que prevalecer a despeito dessas dificuldades todas”.
Projetos com alcance social
O gestor também destaca a importância da estabilidade garantida pelos concursos públicos para a continuidade das políticas públicas e para a independência técnica dos profissionais. “É fundamental que o quadro de arquitetos no serviço público seja composto por servidores. Nosso trabalho não pode estar à mercê de interesses econômicos ou políticos. Trabalhamos para a população, para a comunidade. Se dependêssemos apenas de cargos comissionados, nunca teríamos continuidade. Até eu mesmo talvez não estivesse dando essa entrevista agora, se não fosse pela estabilidade que me permitiu deixar um acervo enorme de projetos”.
Esse é também o entendimento da arquiteta e urbanista Clara Trancoso, que atua na Divisão de Paisagismo da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), no Distrito Federal. Para ela, a escolha pela carreira pública foi motivada pelo desejo de realizar projetos com maior alcance social e pela valorização profissional no setor público. “O que me motivou foi a vontade de fazer projetos maiores, que alcançassem um maior número de pessoas. Além disso, no serviço público, o arquiteto é mais valorizado: as remunerações são maiores e há maior estabilidade”, afirma.
Segundo Clara, a principal diferença entre atuar na iniciativa privada e no setor público está na escala e no impacto social dos projetos. “Normalmente, na iniciativa privada projetamos apartamentos, casas e edifícios menores. No serviço público há a possibilidade de fazer projetos urbanos e edificações maiores. Ademais, na esfera pública, é possível praticar a função social da arquitetura”.
Ela destaca também a complexidade e a responsabilidade como os maiores desafios da atuação pública: “A responsabilidade aumenta muito também, visto que o dinheiro público está envolvido.” Ainda assim, ela considera gratificante contribuir diretamente para a qualificação urbana. “Acredito que os projetos das áreas verdes têm grande capacidade de qualificar o espaço urbano”, afirma.
Qualidade técnica x interesse político
Para Clara Trancoso, a presença de arquitetos e urbanistas concursados nos quadros do Estado é essencial para o desenvolvimento ordenado das cidades e para garantir que o interesse público prevaleça sobre interesses políticos. “É importante manter um quadro de arquitetos concursados, com estabilidade, para que haja a prevalência da técnica sobre o interesse político”.
Trancoso também defende o fortalecimento da carreira pública com concursos mais frequentes, maior número de vagas e melhores remunerações. “Infelizmente, existem poucos arquitetos no serviço público. Muitas vezes os concursos ocorrem de 30 em 30 anos, com pouquíssimas vagas. Estabelecer uma gestão por desempenho nos órgãos também seria interessante. Assim, os funcionários seriam estimulados a cumprir suas metas com mais agilidade”.
Na visão da profissional, o serviço público oferece um leque amplo de possibilidades e exige uma postura resiliente. “O serviço público fornece diversas possibilidades de atuação para arquiteto e urbanista, já que este possui uma formação generalista. Tem sido desafiador e gratificante”.
Dentro de empresas públicas, a atuação dos arquitetos também se estende a projetos de infraestrutura, paisagismo, manutenção de equipamentos públicos e reorganização de espaços urbanos. Ainda assim, muitos desses profissionais enfrentam desafios relacionados à visibilidade institucional e à limitação de espaços de decisão, o que reforça a necessidade de políticas públicas que valorizem e fortaleçam a carreira. Fonte: CAU-BR.