Coluna do Dal

De bolas

O leitor deve conhecer aquela brincadeira de fazer bolinhas de sabão. Interessante é o fato de as bolhas sempre serem esféricas, independente do formato do “araminho”. Se quadrado, não formarão cubinhos de sabão. As bolhas são esféricas porque a esfera é a forma que tem a menor área superficial para conter a quantidade de ar soprada.

Foi pensando nisso que o inglês William Watts (1722-1764) deu início à fabricação de balas de canhão perfeitamente esféricas. Ele, de uma determinada altura, jogava uma quantidade fixa de chumbo incandescente que, na queda, virava uma esfera perfeita, solidificando-se ao cair numa piscina. O método de Watts, de tão bem “bolado”, foi utilizado até 1968.

Arquimedes foi quem primeiro intuiu que a esfera é a forma com menor área superficial para conter um dado volume fixo. Em 1884, o matemático alemão Hermann Schwarz (1843-1921) provou que a intuição de Arquimedes estava correta.

Esse grego, um dos maiores matemáticos de todos os tempos, foi assassinado por um soldado romano por não lhe dar ouvidos, absorto que estava em seus pensamentos e com a idade de 75 anos.

Não era esse o desejo do General Marcelo, que comandou a invasão a Siracusa e sabia da fama do matemático. Por determinação de Marcelo, Arquimedes foi enterrado dignamente num túmulo especialmente construído para ele.

Por falar em esfera, há algum tempo comprei uma bola de futebol pro meu netinho. Verifiquei que ela é composta da emenda de catorze hexágonos, oito pentágonos e duas tiras em forma de “H” gordinho. Seria uma esfera perfeita? Claro que não.

Mesmo assim, as bolas atuais para a prática do nosso futebol são bem melhores do que as existentes na minha infância – as famigeradas bolas de capotão. Acho que eram do mesmo tipo das que foram utilizadas na copa de 1930, feitas de doze tiras retangulares de couro (gomos) agrupadas em seis pares.

Num dos gomos havia uma abertura com costura para inserção da câmara. Também havia aquela feita com seis pedaços de couro em forma de “H” (os tais “agás gordinhos”), criativamente interligados. Essas bolas eram hidrófilas. Ficavam muito pesadas em dias chuvosos e, com o tempo, adquiriam um formato meio ovaloide, teimando em virar bolas de futebol americano.

Cabeceá-las requeria muita audácia. Ao fazê-lo, além de atordoados, ficávamos com a boca salgada. Se a testa batesse no gomo com costura, ficávamos tatuados por um bom tempo. Matá-las no peito, então, requeria coragem de kamikaze.

Pois é, nem sempre tínhamos bolas oficiais. Era algo muito caro naquela época. Por isso jogávamos com bolas de meia, pedras, tampinhas e o que fosse chutável.

A evolução das bolas de futebol visando a obtenção de uma esfera perfeita tem a ver com matemática; Platão (428 a.C. – 348 a.C.) e Arquimedes (287 a.C. – 212 a.C.).

Platão definiu os cinco poliedros regulares: tetraedro, com 4 faces triangulares; hexaedro (cubo), com 6 faces quadradas; octaedro, com 8 faces triangulares; dodecaedro, com 12 faces pentagonais; e o icosaedro, com 20 faces triangulares.

Ele acreditava que essas eram as formas fundamentais: o tetraedro (uma pirâmide de base triangular) representava o fogo; o cubo correspondia à terra; o octaedro era o ar; o icosaedro, por ser “escorregadio”, era como a água. E, com doze faces, o dodecaedro representava o Universo. O leitor poderá ter melhor ideia desses poliedros pesquisando na internet através, por exemplo, da busca por “sólidos de Platão”.

A partir de cortes nas extremidades de dodecaedros e icosaedros podemos obter superfícies planas que, devidamente unidas, tendem a uma esfera. Dodecaedros e icosaedros lembram aqueles cofrinhos muito comuns tempos atrás.

Na copa de 1970, no México, a bola adotada adveio de um icosaedro devidamente truncado para a obtenção de superfícies hexagonais e pentagonais que, adequadamente ligadas, transformam-se em bolas.

Abrindo um parêntese: nas copas de 1982 e 1986 tivemos o Sócrates, o Dr. Sócrates, que não foi o mestre de Platão, mas que magistralmente “pimbava na gorduchinha”, como dizia o locutor Osmar Santos.

Voltando ao papo original: Arquimedes criou treze sólidos com base nos poliedros de Platão. Num deles conseguiu juntar pentágonos e hexágonos criando a bola de futebol clássica, semelhante àquela que comprei pro meu netinho.

Com base num dos sólidos de Arquimedes, os alemães criaram a bola Zeitgeist, utilizada na copa de 2006.

Muitos matemáticos acreditam que seria ideal a utilização de sólidos de Arquimedes mais exóticos. Por exemplo, com superfícies decorrentes de cortes num dodecaedro para a obtenção de 92 pedaços simétricos – doze pentágonos e oitenta triângulos equiláteros.

Hoje, com computadores, essa tarefa vai ser fácil. Difícil será continuarmos sendo sempre campeões, não importa com que bola…

 

Adalberto Nascimento

 

Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), é pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.

É escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço.

 

(arte: Uol)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *