Coluna do Dal

Do duodeno e outras dúzias

“Zwolffingerdam” é uma palavra alemã que literalmente significa “doze-dedo(s)-intestino”. Dá pra perceber o “finger” (dedo, também em inglês) enfiado no meio do que para nós significa duodeno. Acho que alguma antiga reforma ortográfica eliminou quase todos os hífens, e as palavras, no idioma de Goethe, ficaram enormes. Os mineiros diriam que o alemão é cheio desses trens. Taí uma dica pra senhas: procurar o significado, em alemão, de uma palavrinha e obter um palavrão no sentido puro do termo, e, às vezes, com direito a tremas extintos por aqui.
A palavra portuguesa “duodeno” é derivada do latim “duodenum digitorum”, que também significa “de doze dedos”. O duodeno é a porção primária do intestino delgado e sua denominação estaria relacionada ao seu tamanho. Como também dizem que ele tem cerca de 25 centímetros, a parte do dedo utilizada para mensurá-lo teria um pouquinho mais do que 2 centímetros.

Se tivesse sido medido em polegadas (uma polegada é a distância entre a dobra do polegar e a ponta), oficialmente equivalente a 2,54 centímetros, ele teria cerca de 30 centímetros. Resumo da ópera: o tamanho do duodeno ou foi definido por alguém com polegar pequeno (teria sido o Pequeno Polegar?), ou a falangeta de um outro tipo de dedo foi a unidade de medida. Isso, no entanto, pode ter acontecido no tempo dos babilônios, herdeiros culturais dos sumérios e que, digamos, “forçaram a barra” por adotarem o 12 como uma de suas bases numéricas.

A adoção do 12 era interessante por ele ter vários divisores (2, 3, 4, 6). Naquele tempo, o pessoal fazia, de fato, as verdadeiras contagens digitais. Com o polegar de uma das mãos tocando as três falanges de cada um dos quatro dedos, temos um total de 12. E essas contagens, demarcadas com os 5 dedos da outra mão, resultam em 60 (12×5). Ou seja, a famosa base 60 — o primeiro número inteiro com o maior número de divisores (2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20,30).

Essas bases ainda estão presentes em algumas de nossas contagens e medições. Além do dia, que dura 24hs (2×12), temos o ano, inicialmente com dez meses, que passou a ter doze para melhor concatenação com as estações. A antiga base dez para o ano, utilizada pelos romanos, fica evidenciada nas denominações ainda vigentes para os meses: setembro, outubro, novembro e dezembro. Já comentamos detalhes dessa história em artigo anterior. Hoje, para usar um termo da moda, o nosso “foco” é o 12, que, inicialmente, apresentamos de forma germânica e intestina.

Para a astrologia ocidental, a circunferência celeste é dividida em 12 signos zodiacais (Áries ou Carneiro, Touro, Gêmeos, Câncer ou Caranguejo, Leão, Virgem, Libra ou Balança, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes). Eu, como já disse em outras ocasiões, por ser de Gêmeos, não acredito em horóscopos. Através da internet, também descobri que zodíaco vem do grego “zodiakós” (“círculo de animaizinhos”). Não obstante, para por aqui com este “papo animal” sobre astrologia. Se eu falar mais, vou me embananar…

E por falar em bananas, lembro-me com saudade do tempo em que elas eram vendidas por dúzias. Na verdade, a saudade é de frases longínquas ditas por meus pais: “Vá comprar uma dúzia de bananas nanicas”. Ah, ia me esquecendo: “E confira o troco”. Banana-maçã era para ocasiões muito especiais. Juntamente com água Prata e bolacha água e sal, formava um trio antidiarreico infalível, conforme crença inquebrantável do meu pai. Era tiro e queda. Ou melhor, tiro e eliminação das quedas. Entretanto, numa espécie de extermínio de influências babilônicas (vide o Iraque), bananas e pães passaram a ser vendidos de outra forma. Agora, passar a pão e banana é por quilo.

E já que escorreguei na casca do “de volta ao passado”, não posso deixar de associar dúzia com “Os doze trabalhos de Hércules”, de Monteiro Lobato, livro (acho que eram dois volumes no meu tempo) com o qual me deliciei em viagens maravilhosas acompanhando Pedrinho, a Emília e o Visconde. Fiquei tão deslumbrado com esse livro na minha infância que, depois, já em outro delicioso tempo, comprei a coleção completa de Monteiro Lobato para as minhas filhas. E como elas curtiram aquelas histórias! Valeu sentir em mim a alegria delas.

Hoje infelizmente as pessoas, influenciadas pela tecnologia, presenteiam crianças com celulares e congêneres. Crianças, na verdade, adoram coisas simples e criativas. Todavia, pais e filhos são bombardeados por uma mídia marqueteira, descompromissada com a educação e que só valoriza badulaques efêmeros — em geral tranqueiras “made in China”. Um livro, todavia, é para sempre. Nem que seja sobre algo meio doido, ainda por ser escrito: “O tamanho do duodeno de Hércules”. Alguém se habilita?

 

⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, Adalberto Nascimento atuou como engenheiro, consultor e professor universitário. Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96). Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

 

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