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Engenharia civil: temperatura elevada demanda adaptação de edifícios

Durante os escaldantes verões dos últimos anos, os britânicos mal conseguiram ficar dentro de suas casas, adaptadas ao clima frio típico do país. Em 2020, o calor foi tamanho que cerca de 2 mil pessoas morreram na Inglaterra, a maioria delas em casa. Não são apenas países do hemisfério Norte que estão sujeitos a essa situação. Também no Brasil, edifícios e casas não estão preparados para as temperaturas elevadas e as ondas de calor mais intensas e longas previstas para os próximos anos em razão do aquecimento global.
Em um dos poucos estudos brasileiros nessa área, arquitetos e engenheiros examinaram 92 imóveis de Florianópolis, em Santa Catarina, por meio de análises de consumo de energia em 2010 e fizeram projeções para 2050 e 2090. Do total de construções avaliadas, 39% eram lojas, 31% escritórios, 21% restaurantes e 9% residências. De acordo com a análise, detalhada em um artigo publicado em julho na revista Sustainable Cities and Society, 37% deles poderiam sofrer superaquecimento, com temperaturas a níveis desconfortáveis para seus ocupantes já em 2050, porque adotaram técnicas construtivas que retêm o calor, em vez de amenizá-lo.
Os prédios mais modernos e mais caros da região central da capital catarinense são também os mais inadequados, por terem janelas que não abrem e pintura de cor escura, que absorve o calor, apontam os pesquisadores. Em São Paulo, essa situação pode ser vista principalmente em edifícios comerciais por toda a cidade, como no Itaim, bairro da zona oeste da cidade. “Edifícios selados, com fachadas envidraçadas, são incompatíveis com as mudanças climáticas”, comenta a engenheira Denise Duarte, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da Universidade de São Paulo (FAU-USP), que pesquisa, com apoio da FAPESP, como adaptar prédios às mudanças climáticas.
Um dos estudos de seu grupo, publicado em maio de 2021 na Energy and Buildings, analisou a situação em edifícios construídos nos anos 2000 na cidade de São Paulo. O estudo indicou que, em consequência das temperaturas provavelmente mais altas, poderia haver nesses imóveis uma redução de 81% para 65% na quantidade de horas de conforto até 2074. “Tenho visto muitos edifícios residenciais novos com fachadas grafite, azul-petróleo ou mesmo preto, que absorvem mais calor”, relata Duarte. “Não precisa ser branco, mas cores claras tornam a absorção de radiação menor.”

“Em prédios com janelas de vidros claros, com uma boa transparência, os riscos de superaquecimento são altos, ainda mais se não houver sombreamento”, observa o engenheiro Roberto Lamberts, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e um dos autores do artigo na Sustainable Cities and Society.
“Ainda adotamos os critérios de planejamento e construção dos prédios com base em um clima do passado, mais ameno. E os próximos anos serão muito mais quentes do que hoje”.

O sombreamento é uma estratégia fundamental para proteger edificações da incidência solar intensa nos períodos mais quentes e consiste na adoção de estruturas como brises (quebra-sóis), varandas ou beirais. Os pesquisadores da UFSC, em colaboração com os da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, buscaram soluções que não dependessem exclusivamente do ar-condicionado. Entre outras medidas, propõem a implantação de coberturas (telhados ou lajes) revestidas com materiais e tintas que absorvem pouco calor e janelas com vidros de controle solar, para evitar que o interior esquente muito (ver infográfico abaixo).

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa Fapesp

Coberturas com telhados frios, que absorvem pouca radiação solar, com cores claras, mas uma emissividade térmica (capacidade de determinada superfície de emitir o calor absorvido) elevada, seriam soluções simples e de baixo custo. “A adaptação das técnicas construtivas é indispensável para, onde for possível, reduzir o uso do ar-condicionado”, comenta Duarte. De acordo com o estudo da UFSC, o consumo de energia para resfriamento tende a aumentar em 48% até 2050. Atualmente, o ar-condicionado já é responsável por 3% das emissões globais de carbono. Segundo a pesquisadora, os sistemas passivos de controle térmico, como o sombreamento de fachadas e coberturas, a ventilação natural, inclusive noturna, deveriam ser mais valorizados.

“O uso generalizado do ar-condicionado pode aumentar o impacto urbano do efeito ilha de calor, porque eleva as temperaturas locais fora dos ambientes refrigerados”, comenta o engenheiro Alberto Hernandez Neto, da Escola Politécnica (Poli) da USP, que não participou do estudo de Lamberts (ver Pesquisa FAPESP n° 331).
Como será praticamente impossível abolir o ar-condicionado, pesquisadores buscam formas de usar o equipamento de forma mais sustentável. Em um estudo publicado em março na revista Brazilian Journal of Technology, um grupo dos institutos federais de Rondônia e do Amazonas argumenta que um controle mais apurado do volume de entrada do ar externo e o ajuste da temperatura ambiente poderiam ajudar a reduzir o consumo de energia.

Edifício com teto verde em Belo Horizonte: alternativa para reduzir a temperatura internaRicardo Funari/Brazil Photos/Lightrocket via Getty Images

Avanços e dificuldades
Engenheiros e arquitetos tentam disseminar essas propostas, às vezes com sucesso, outras nem tanto. No ano passado, Lamberts, com sua equipe, ajudou a preparar os requisitos de resiliência térmica para as casas mais baratas (faixa 1) do programa Minha Casa, Minha Vida, regulamentadas na Portaria n° 725, de 15 de junho de 2023.
O grupo da UFSC definiu os parâmetros de transmitância térmica, um indicador de desempenho térmico de edificações, e elaborou estratégias de controle térmico, como a adoção de telhados claros, os limites mínimos de abertura de janelas e o nível adequado de sombreamento. “Apesar de ter sido somente na faixa 1, tivemos um avanço significativo”, comenta Lamberts. “Conseguimos uma redução de carga térmica de 84% em Palmas, no Tocantins, de 92% em Fortaleza, no Ceará, e uma média acima de 50% nos climas mais quentes do Brasil.”
Duarte, por sua vez, participou da elaboração do Plano de Ação Climática 2050 do Estado de São Paulo, por meio do projeto Biota Síntese, financiado pela FAPESP. O projeto é voltado principalmente para áreas rurais, mas um dos grupos de pesquisa mostrou que a restauração florestal poderia aliviar a temperatura em áreas próximas às cidades. Divulgar essas soluções para as construtoras e empreiteiras privadas tem sido mais difícil. “Ainda há um certo negacionismo climático, e muitas empresas insistem em seguir os critérios mínimos de resiliência”, constata Lamberts.
Duarte e Lamberts se encontraram entre os dias 19 e 22 de junho na 50° Convenção Nacional da Associação dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), realizada em Florianópolis. No dia 20, os jornais noticiaram a morte de mais de mil pessoas durante uma peregrinação à Meca, na Arábia Saudita, em consequência da ocupação excessiva e do desconforto térmico. “Situações como essa causam uma certa comoção, mas mudar de fato é um longo caminho”, diz a pesquisadora.
Hernandez Neto, da Poli-USP, nota alguns avanços: “Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, projetos de construção sustentável têm incorporado telhados verdes, fachadas ventiladas e sistemas de sombreamento para reduzir a carga térmica e melhorar a eficiência energética”.
Em cursos e palestras para arquitetos e construtores, os pesquisadores da Poli-USP procuram disseminar as práticas de construção sustentável e resiliência térmica, como técnicas de aproveitamento passivo da energia solar e a ventilação natural. As conversas geralmente incluem uma visita ao Centro de Inovação em Construção Sustentável (Cics), que desenvolve alternativas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa e aumentar a eficiência térmica das edificações (ver Pesquisa FAPESP n° 278). “Precisamos explorar e adotar soluções alternativas e mais sustentáveis”, conclui Hernandez Neto. https://revistapesquisa.fapesp.br

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