Há algum tempo li uma anedota judaica em “O círculo dos mentirosos”, livro de Jean-Claude Carrière, um consagrado roteirista, escritor, diretor e ator francês. Em seguida, sintetizo do meu jeito a saborosa história intitulada “Rothschild e Silberman”. É interessante lembrar que a família Rothschild, de origem alemã, é conhecida desde o século XV por suas atividades bancárias e financeiras. Silberman talvez seja um sobrenome judaico comum, uma espécie de Silva para nós. Bem, vamos lá
Rothschild e Silberman, ambos judeus e amigos de infância, nasceram num vilarejo pobre da Polônia. Rothschild, ainda bem jovem, foi para a França e, esperto negociante, tornou-se um empresário riquíssimo. Silberman, por sua vez, sempre viveu naquele vilarejo, tornando-se dono de uma lojinha cujo faturamento mal dava para o seu sustento. Vivia de forma modesta, mas conseguiu, depois de muitos anos, economizar dinheiro suficiente para realizar seu sonho: conhecer Paris.
Chegando a Paris, instalou-se num hotelzinho barato, desses que existem próximos a estações rodoviárias ou em áreas urbanisticamente deterioradas. Durante um passeio num parque, ele encontrou seu antigo amigo, que caminhava de forma apressada, como fazem muitas pessoas ricas, abastecidas pelo combustível da ganância. Depois de trocarem algumas palavras, Rothschild fez questão de que Silberman ficasse hospedado em sua mansão, num bairro elegante de Paris.
Lá ele foi, durante trinta dias, tratado como um príncipe. Além disso, Rothschild levou o amigo para passeios turísticos e a lugares pitorescos: Moulin Rouge, Cassino de Paris, Torre de Eiffel, Museu do Louvre, Folies-Bergère, restaurantes caros, casas noturnas etc. Silberman voltou à Polônia com o sonho plenamente realizado – de forma deslumbrante, como nunca imaginara. Passados dois anos, Rothschild teve de ir, por motivo de negócios, a uma cidade bem próxima do vilarejo em que nasceu.
O acaso reverso fez com que ele encontrasse o amigo Silberman. Este, como retribuição, hospedou o empresário rico em sua modesta casa, tratando-o da melhor forma possível durante sete dias. Na manhã do oitavo dia, ao levar o amigo à estação, Silbeman disse à Rothschild que este lhe devia 70 dólares, ou seja, 10 dólares por cada dia de hospedagem. O empresário ficou uma fera diante da ingratidão do amigo, o que deu origem a uma pesada discussão. Silberman conseguiu acalmar o amigo, ao dizer que toda disputa no vilarejo era resolvida pelo rabino da aldeia. Rothschild concordou e ambos foram expor o problema ao rabino. O velho senhor, com olhar distante, e acariciando sua longa barba branca, ouviu os argumentos dos contendores. E, sem pestanejar, declarou que Silberman tinha razão e que, portanto, deveria receber os 70 dólares. Rothschild quase enfartou de raiva, mas pagou a quantia exigida pelo amigo.
Quando estava já prestes a partir, viu o amigo correndo em direção à janela do trem para devolver o dinheiro. Ficou estupefato. Silberman então explicou: “Em Paris, você levou-me a um montão de lugares. Então, eu pensei: o que eu posso mostrar pra ele aqui? Raciocinei: a única coisa que posso mostrar é que o rabino daqui é um imbecil”.
Adalberto Nascimento
(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)
Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.
Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.