O Projeto Manhattan, desenvolvido em Los Alamos, cidade do Novo México (Estados Unidos), teve como objetivo a criação da bomba atômica. Esse projeto contou com a participação de muitos cientistas de várias nacionalidades. Entre os matemáticos, destacaram-se quatro húngaros, capitaneados pelo genial Margittai Neumann János Lajos.
Os americanos diziam que eles eram marcianos porque, além de inteligentíssimos, se comunicavam num idioma incompreensível – o húngaro, é óbvio. E János, apelidado Jancsi, era a grande estrela. Foi ele quem fez os cálculos decisivos para o desenvolvimento da bomba de plutônio.
Por falar em húngaro, numa ocasião eu estava paquerando livros na Livraria Cultura, em São Paulo, quando ouvi um bate-papo ininteligível entre duas senhoras idosas, bem elegantes e com jeitão de judias. Com diplomacia, perguntei, em inglês, que idioma era aquele em que elas dialogavam. Elas, num português carregado de sotaque estranho, me explicaram que era húngaro.
Eu, para não demonstrar total ignorância magiar, falei que o mega investidor George Soros também era húngaro. Elas quase desmaiaram. É que “soros”, da forma como pronunciamos, deduzi, talvez seja algo indecoroso naquele idioma.
Acho que deveria ter pronunciado “choros”, mas as duas senhoras se afastaram sorrindo maliciosamente, deixando-me em dúvida se não foi também meu sotaque caipira o responsável por aquele mal-estar. Melhor mesmo é ouvir mais e falar menos.
Esse fato me fez lembrar de uma palestra proferida por um padre, nos tempos do Estadão. Fomos dispensados da aula para, no salão nobre, ouvirmos sua história. Ele, magrinho, tinha ficado preso alguns anos na “China Comunista” e, num dado momento, contou-nos que suportara toda aquela adversidade graças a um tercinho que ele conseguira manter escondido numa bolsinha de couro, e que passou a exibir à platéia. Para ele, num forte sotaque italiano, era “una meravigliosa borseta”.
E cada vez que ele voltava a enaltecer a tal “borseta”, a molecada caía na gargalhada, deixando-o aparvalhado. Alguns professores quase se enfiando sob as cadeiras; outros, com aquele sorrisinho irônico, num indisfarçável regozijo de comunista enrustido.
Depois desse enorme interregno, voltemos ao Jancsi. Esse indivíduo genial nasceu em Budapeste, no dia 28 de dezembro de 1903. E seu pai, um rico banqueiro judeu, comprou o título “Von”, privilégio da aristocracia alemã, para agregar valor ao seu nome. Mal sabia que isso até seria algo desnecessário.
Por imposição paterna, Jancsi teve que estudar Química em Berlim, “porque era um assunto prático que poderia gerar renda”. Mas, por conta própria, ávido de saber, ele se matriculou também na Faculdade de Matemática da Universidade de Budapeste, para onde viajava periodicamente só para fazer provas.
Em 1923, Jancsi mudou-se para a Suíça, onde, além de completar o curso de Química, participou de inúmeros seminários sobre matemática. Em 1926, ele recebeu o título de químico pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique e também o de doutor em matemática da Universidade de Budapeste.
Posteriormente, ele foi para Göttingen, na Alemanha, então a “Meca da Matemática”, para, juntamente com o eminente David Hilbert, fazer uma série de palestras. Mas os tempos estavam ficando bicudos para cientistas de origem judaica e Jancsi foi para a Universidade de Princenton, nos Estados Unidos, assumindo um cargo no Instituto de Estudos Avançados e – vejam que chique – trabalhar com Albert Einstein.
Em 1930, Jancsi se naturalizou americano, adotando o nome de John von Neumann. De Jancsi passou a ser chamado de Johnnie. Inteligente ao extremo, foi ele que forneceu as bases matemáticas rigorosas para a mecânica quântica desenvolvida por Max Planck.
Além disso, contribuiu em inúmeras outras áreas: teoria dos conjuntos, análise funcional, ciência da computação, economia, teoria dos jogos, análise numérica, estatística, hidrodinâmica das explosões etc. Era uma fera. Foi também ele quem concebeu a arquitetura dos computadores que hoje utilizamos, sendo o precursor do conceito de que os programas podem ser armazenados no computador.
No final da vida, começou a se interessar pelo cérebro, antecipando a teoria de redes neurais, atualmente objeto de pesquisas sobre inteligência artificial. E, ironicamente, teve um final de vida bastante trágico: morreu no dia 8 de fevereiro de 1957 de câncer cerebral.
E esse gênio húngaro, além de tantas coisas, deixou-nos também uma frase lapidar: “Não há sentido em ser exato quando você nem sabe sobre o que está falando”. Lapidar, até para marcianos.
Adalberto Nascimento
Associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal aposentado, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), é pós-graduado na área de Transportes, atua como engenheiro, consultor e professor universitário.
É escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Escreve quinzenalmente neste espaço
Imagem: Fotolia / Adimas