Coluna do Dal

Tiradentes e o sal

Depois de morto por enforcamento, Tiradentes foi esquartejado e seus pedaços colocados em locais ponde onde, em vida, ele passou. A cabeça, troféu maior, depois de salgada, teve como destino Vila Rica (atualmente Ouro Preto-MG), para ser colocada numa gaiola presa a uma estaca. No centro da Praça de Santa Quitéria (hoje Praça Tiradentes), a cabeça ficaria até que o tempo a consumisse. Todavia, alguém surrupiou aquela gaiola e ninguém jamais a encontrou. Dessa forma, não foi possível acompanhar o apodrecimento da cabeça de Tiradentes.
Alguns dizem que a cabeça, depois de embalsamada e inserida numa urna de pedra, jaz em local desconhecido. Outros dizem que foi um monge que roubou a cabeça de Tiradentes. Ele a guardava numa caixa e a retirava, de vez em quando, para diante dela meditar sobre a vida e a morte. Algo, digamos, meio shakesperiano — como naquela história do “ser ou não ser”. Uma terceira versão diz que Tiradentes tinha uma admiradora que se aproveitou de uma confusão ocorrida na praça para dar sumiço na gaiola enquanto sua escrava distraia o soldado guardião da cabeça.
A cabeça original do nosso alferes nunca mais apareceu, mas uma réplica surgiu na tal Praça Tiradentes, dentro de uma gaiola, fixada a um poste, em 1992 — 200 anos depois da morte do mártir da nossa inconfidência. Foi quando se homenageou esse herói nacional e patrono da Polícia Militar mineira.
Por muito tempo, cabeças de condenados eram expostas para dissuadir outros criminosos ou insurretos aos governos vigentes. No início dessa prática pavorosa, as autoridades constataram que as cabeças apodreciam rapidamente, atraindo aves que arrancavam a carne, deixando o crânio com aquela expressão indefinível, sem demonstrar nenhum temor.
A partir do século XVII, para evitar esse estado de insensibilidade, o sal entrou em cena. Por ser um elemento conservante, ele, na forma de salmoura, era colocado na cabeça de condenados para que o horror fosse prolongado e o exemplo mais eficaz. Na verdade, na maioria das vezes, as cabeças eram fervidas em água salgada. Ou seja, temperadas para exposições duradouras.
O sal foi o primeiro tempero da humanidade. Por causa da sua importância, esse mineral geou muitas lendas. Havia uma crença segundo a qual derramar sal trazia má sorte, atraindo espíritos malévolos. Como antídoto, jogava-se sal sobre os ombros para que os tais espíritos, com os olhos irritados, tivessem a atenção desviada e mudassem seus planos diabólicos. A crença do sal derramado como algo de mau agouro fica evidenciada no quadro “A última ceia”, de Leonardo da Vinci, no qual existe um saleiro caído diante de Judas — prenuncio de sua traição.
O sal é de origem marinha. Onde há minas de sal, existiram antigos oceanos. É o que ocorreu, por exemplo, na cidade de Salzburgo (Cidade do Sal), na Áustria, de onde ele, em priscas eras, foi minerado pelos romanos. Podemos dizer que Salzburgo forneceu sal e som para a humanidade. Sobre a qualidade do sal, na posso afirmar. Sobre o som, basta dizer que foi lá que, em 1756, nasceu Wolfgang Amadeus Mozart. Quem fica impassível ao ouvir a Sinfonia nº40 ou “Eine kleine Nachtmusik” (Uma pequena serenata)?
Voltemos ao sal. Os romanos eram grandes apreciadores desse mineral. Tanto é assim que a palavra “salário” deriva do “sal” — “salarium” era uma ajuda de custo especial que os soldados recebiam para comprar sal. Hoje, até com salário mínimo dá pra comprar sal, mas a vida, em sentido estrito, acabou ficando muito salgada — cheia de cloreto de sódio. Os alimentos conservados são responsáveis por 75%do nosso consumo de sal, sendo que uma simples fatia de pão contém cerca de meio grama de sal. E, como sabemos, muito sal não é aconselhável para as pessoas com pressão alta.
O nosso organismo procura manter certa porcentagem de sódio no sangue. Mais sal, mais sódio. E para manter a mesma taxa de sódio, o organismo retém água. Consequentemente, o volume sanguíneo aumenta, implicando mais fluídos para o coração bombear e, com isso, a pressão nas artérias aumenta, podendo levar a derrames ou ataques cardíacos. É por isso que os remédios para diminuir a pressão são diuréticos — para diminuir o volume sanguíneo e dar um pouquinho de sossego ao coração.
Todavia, esses diuréticos levam de roldão quantidades significativas de potássio, elemento também fundamental ao funcionamento do nosso organismo. Por conseguinte, quem sofre de pressão alta deve reduzir o sal e aumentar o consumo de potássio: bananas e laranjas, por exemplo. Enfim, dá pra controlar o coração sem perder a cabeça. Coisa que, infelizmente, em sentido literal, não ocorreu com o nosso Tiradentes.

 

(⭐6/6/1946 | ➕1/7/2019)

Engenheiro civil graduado pela Poli-USP (1972), pós-graduado na área de Transportes, Adalberto Nascimento atuou como engenheiro, consultor e professor universitário.
Foi o associado n.º 1 da AEASMS, servidor municipal de carreira, ex-secretário de Edificações e Urbanismo (1983/88), de Transportes e presidente da Urbes (1993/96).
Escritor, autor de livros de crônicas e curiosidades matemáticas e membro da Academia Sorocabana de Letras. Além de publicados pelo jornal Cruzeiro do Sul, entre outros veículos, seus artigos ilustraram e continuam ilustrando o conteúdo deste site “Coluna do Dal e Desafio do Prof.º Dal”.

 

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